22
de julho de 2013 | N° 17499
L.
F. VERISSIMO
Conversões
Ninguém
é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a desilusão com as
promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a necessidade do novo
direitista de exorcizar seu passado, de se autopunir pela sua ingenuidade. Para
repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era.
Como
está também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu
acreditando em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade,
não admira que sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si
mesmo, o que só aumenta sua raiva.
O adágio,
tão repetido, segundo o qual quem não é de esquerda até uma certa idade não tem
coração e quem não é de direita depois não tem cérebro, equipara a migração da
esquerda para a direita como uma conquista da sabedoria. Idealismo, crença em
justiça social etc.seriam coisas que iríamos largando pelo caminho rumo à
maturidade, junto com outras baboseiras juvenis.
Não
se tem notícia de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser
esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude. E esquerdistas que
continuam esquerdistas, apesar de já terem idade para se darem conta do engano,
são alvos prioritários do escárnio dos convertidos. Ainda têm coração os
inocentes.
Os
neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos desastres
nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas na
juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o
ultranacionalismo do “século americano”, e continuam influentes, mesmo sob o
governo do Obama. Os ex-trotskistas odeiam o que foram um dia e seu
conservadorismo ativo é uma forma de expiação.
Caso
notório de conversão foi a do escritor John dos Passos, ex-comunista e autor de
alguns livros memoráveis de crítica social, que acabou seus dias quase como uma
caricatura de direitista americano, com bandeira na frente da casa e tudo.
Para
quem ainda se considera de esquerda, apesar das desilusões e de um coração
combalido, o rancor dos convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a
esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.
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