10
de julho de 2013 | N° 17487
LUCIANO
ALABARSE
Surpresas escondidas
Wisnik
encerrou sua aula-espetáculo sobre Paulo Leminski, na 29ª Feira do Livro de
Canoas, cantando uma canção, dele e de Mautner, em que repercutiu, como um sol
em meio à escuridão, a força de um verso definitivo: “A liberdade é a consciência
do limite”. Para além da exata adequação às manifestações de protesto das últimas
semanas no Brasil, o que me bateu, mais uma vez, foi a incrível presença da música
popular no imaginário do país, nas canções que embalaram e embalam momentos e
fases da nossa vida cívica e pessoal.
E me
perguntei qual, entre tantas, escolheria como a minha canção preferida. Respondi
no ato. Não foi Yesterday, nem Garota de Ipanema, nem Summertime, segundo me
consta, as músicas mais gravadas do mundo. Minha canção preferida, entre as milhares
que já ouvi, e são milhares mesmo, é Sua Estupidez, “aquela canção do Roberto”,
como um dia a eternizou Caetano, parceria de Roberto com Erasmo, cuja gravação
registrada ao vivo, no Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, no já longínquo ano de 1971,
roça o sublime. Gal Costa, voz e violão, nada mais.
Nunca
uma canção foi tão bem cantada em uma terra onde as grandes cantoras são muitas.
Nunca uma canção popular ostentou sabedoria tão visceral sobre as eternas dores
dos amores humanos. Achados certeiros como “Conte ao menos até três, se
precisar conte outra vez” ainda me surpreendem. Adoro canções de amor
arrepiantes, inteligentes e meio melosas. E me delicio até hoje com o manifesto
furiosamente poético de Caetano na sua Canção de Protesto, que Zizi cantou
lindamente anos atrás.
Com
céu nublado ou sol inclemente, em dias pacíficos ou de protesto, não deixo de
ouvir música sem parar. A música brasileira guarda surpresas escondidas,
inesperadas, impactantes. Por caminhos diferentes, nos últimos dias chegaram às
minhas mãos discos de Luiz Ferrar, Lineker e Fênix, três cantores praticamente
desconhecidos – mas absurdamente bons. O primeiro é carioca, o segundo vive em
Campinas, e o terceiro não sei onde mora.
Herdeiros naturais de Ney Matogrosso, pelo
timbre agudo e pelo ecletismo de suas escolhas, os três impregnam suas
interpretações com uma dramaticidade rasgada. Escoram-se em regravações de
grandes sucessos, é verdade, o que nem sempre funciona.
Mas
quando escolhem canções menos conhecidas, moldadas às suas vozes especiais,
arrasam. Escrevo sobre esses caras ouvindo The Blue Room, na qual Madeleine
Peyroux canta o clássico repertório de Ray Charles dos anos 1960. Peyroux é um
oásis para ouvidos cansados, e seu disco é bonito demais.
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