16
de julho de 2013 | N° 17493
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Quando minhas palavras
voaram
Nossa
vida não é triste. Mesmo quando não temos uma alegria, temos uma esperança.
A
esperança é a alegria nascendo. Nunca fui vítima do passado, órfão da memória,
coitadinho da infância.
Não
me diferenciei pela dor, nem me destaquei pela tristeza. Detesto reclamar.
Reclamar só chama rancor.
O que
eu passei, passei, superei de algum jeito, os traumas não me mataram. As brigas
não me levaram ao ódio e ao ressentimento. Não fiquei sequelado.
Aquilo
que parecia um sofrimento eterno também esqueci. Não irei me vangloriar das
feridas. Gosto mais das minhas sardas do que das minhas cicatrizes.
Sofri
o que aguentei. Aguentar é deixar de sofrer. Fui educado numa escola pública em
que não tinha ninguém para me defender.
Durante
dois anos, cedi meu prato de comida para a turma da rua Lavras. O bom é que odiava
sagu e polenta, as duas refeições básicas da época.
Era
terrível a gangue formada por garotos quatro anos mais velhos do que eu. Andava
com canivete e chaco. Arrastava vítimas pelos corredores do Imperatriz
Leopoldina. Cobrava a feitura de temas e revistava bolsos dos colegas no
recreio.
Desfalcou
várias vezes minha mochila. Levou estojos, cadernos, réguas e a coleção de
bolitas. Sobrevivi ao roubo. Sobrevivi ao medo. Sobrevivi aos reveses.
Lembro
que eles me seguraram pelos pés na janela do terceiro andar do refeitório.
Fiquei
balançando do lado de fora. Um ioiô das risadas dos meninos.
Eu
gritava de horror. Quinze minutos balançando pelo avesso. Um enforcado dos pés.
Como
se estivesse num kamikaze do parque de diversão. Alucinado de ponta-cabeça.
Batendo com o peito na parede do lado de fora.
Minhas
palavras de socorro voaram pelo pátio. Pelo bairro. Foi quando aprendi a voar
pela boca.
Eu
me esvaí em lágrimas como qualquer criança naquela situação-limite. Devo ter
mijado, devo ter babado, devo ter feito o testamento na hora.
Olhava
para baixo e me enxergava despedaçado no concreto. A poça de sangue marcaria
minha despedida do mundo.
Os
guris me mantinham preso apenas pelos tênis. Agradeço que usava Kichute
amarrado nas canelas, o calçado nunca escorregava. O cadarço firme como um
cordão umbilical.
Se
não fosse o Kichute, estaria morto. Sempre teremos uma esperança maior do que a
tristeza. A esperança já é uma alegria.
Mesmo
que seja um Kichute.
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