28
de julho de 2013 | N° 17505
O CÓDIGO
DAVID | DAVID COIMBRA
O cachorro e o menino
Tem
um cachorro que mora numa rua aqui perto de casa. É um vira-lata preto, bem
preto, sem uma única mancha. Ele é grande, quase do tamanho de um pastor alemão.
Mora nas imediações de uma lixeira, está sempre rondando aquela lixeira. É conhecido
da vizinhança, volta e meia alguém brinca com ele e suponho que o alimentem, ou
já teria ido embora.
Trata-se
de um cachorro muito simpático, como todo vira-lata. Li uma vez, na National
Geographic, que o bicho mais inteligente do mundo é o vira-lata brasileiro e que
uma de suas armas de sobrevivência é, exatamente, a simpatia. Pois o cachorro
do meu vizinho é mesmo simpático e sabe se valer dessa qualidade para
enternecer os seres humanos.
Gosto
de ver esse cachorro pela rua, mas o que mais gosto é quando ele, o cachorro,
se encontra com um menino que estuda em alguma escola das cercanias. O menino
tem uns 12 anos de idade. Todos os dias, em certo horário, ele vem lá de longe,
mochila escolar às costas, e o cachorro já se agita e esfrega o peito na calçada
de excitação e balança o rabo freneticamente e emite um latido baixo de saudação,
como se fosse um gemido.
O
menino vem rindo, seus olhos brilham, ele apressa o passo, ao ver o cachorro. Quase
correm um para o outro. Então, enfim reunidos, se acarinham, fazem-se festa. O
menino passa a mão no pêlo do cachorro e o abraça pelo pescoço, o cachorro
lambe-lhe os braços e tenta lhe subir pelas pernas. Às vezes, o menino senta-se
no cordão da calçada e o cachorro fica fincado ao seu lado, feito um cão de
guarda. Permanecem os dois ali, juntos, em silêncio, olhando o mundo sem pressa.
Depois
de alguns minutos, o menino enfim se levanta, faz mais um carinho na cabeça do
cachorro e se vai. O cachorro o acompanha por alguns metros, mas nunca passa da
esquina. O menino some numa curva da rua e o cachorro volta para a sua lixeira,
caminhando devagar sobre suas quatro patas pretas. Uma ou duas vezes ele ainda
volta a cabeça para trás, esperando ver o menino, mas o menino já se foi. E o
cachorro se deita sob a sombra de uma árvore e até parece pensativo, mas
cachorro não pensa, o que é uma pena. Se pensasse, sei o que seria. Seria um
consolo, uma certeza: “Amanhã ele volta”.
A
dúvida persiste
Perguntei,
domingo passado, que bicho afinal de contas é a Uniqua, dos Backyardigans. Desencadeei
forças desconhecidas, que agora se enfrentam em feroz debate. Foram dezenas de
e-mails, impossível responder a tantos. Por isso, reproduzirei aqui as teses
dos principais partidos.
Quem
é Uniqua?
1. Uma
pequena maioria defende que Uniqua seja uma formiga.
2. Em
segundo lugar, há os que dizem que ela é uma joaninha.
3. Houve
ainda os que garantem ser ela um caracol sem a casinha nas costas.
Bem.
O partido número 1 pode estar certo. Uniqua parece mesmo uma saúva e tem até suas
anteninhas características. Mas a pele de Uniqua é petit-pois como a das
melhores joaninhas, então o 2 surge com força. E o 3 também merece considerações,
a não ser por um ponto: será que, sem a casinha nas costas, ela não é, na
verdade, uma lesma?
Que
dúvida...
Inferno,
de Dan Brown
Nem
sempre o que é muito popular é ruim. Quase sempre é. O Código da Vinci, de Dan
Brown, vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo, e não é um livro ruim.
Ao contrário, trata-se de um bom livro de ação, com ritmo alucinante e trama
envolvente. Perde-se um pouco no final e às vezes exagera um bocado, mas cumpre
o que promete. Você vai se divertir, se ler o Código da Vinci.
Certo.
Dias atrás, tentei ler Inferno, do mesmo Dan Brown. Tentei.
Lá pelo
meio, desisti. Não ia perder meu tempo, havendo tanto mais para ler. Inferno se
esforça para repetir a fórmula do Código Da Vinci, sem sucesso. O liame com que
Dan Brown amarra o enredo é quebradiço, as situações em que ele coloca os
personagens são inverossímeis, tudo parece falso. Desta vez, Brown errou a mão. Acontece.
Certa
igreja de Florença
Esse
Inferno é todo baseado no inferno criado por Durante Alighieri, nome que
significa, muito apropriadamente, “o portador do vento eterno”. Adulto, Durante
abreviou seu nome para Dante, e, como Dante, soprou pela eternidade.
Dante
escreveu oito séculos atrás, em Florença. Ainda menino, apaixonou-se pela
mulher que seria sua musa por toda a vida, a mítica Beatriz. Neste primeiro
encontro, descreveu-a assim:
“Seu
vestido, naquele dia, era da mais nobre cor, um carmim alegre, cintado e
adornado como convinha a uma menina tão jovem. Digo sinceramente que, naquele
momento, o espírito da vida, que tem sua morada na câmara mais recôndita do
coração, começou a tremer tão violentamente em mim, a ponto de as menores pulsações
de meu corpo lhe acompanharem o movimento, e, ao tremer, ele disse essas
palavras: ‘Contemplai uma divindade mais forte do que eu, a qual, vindo, me
dominará’. E daquele tempo em diante o amor dominou a minha alma”.
Dante
não conseguiu concretizar seu amor. Beatriz se casou com um banqueiro. Sozinho,
triste, anônimo, ele foi à igreja e assistiu ao casamento.
Quando
estive em Florença, visitei essa pequena igreja de pedra, muito tosca, muito
simples, e imaginei Dante vendo sua amada sendo entregue a outro, na penumbra
do século 13.
Beatriz
morreu aos 24 anos de idade, e Dante tornou-se um homem amargo. Jamais perdoou
o destino por ter levado o amor da sua vida.
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