28
de julho de 2013 | N° 17505
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Que lance!
Amar
é narrar.
Amar
é descrever passo a passo de nossa companhia.
Eu
demorei a perceber, mas sou um narrador esportivo das manhãs de minha casa.
Todos
que amam são. Não é uma exclusividade vocacional. Não é um dom incomum.
Logo
que desperto, vou descrevendo as ações e reações de minha mulher. Como se ela não
soubesse o que está fazendo.
Tomo
um microfone imaginário, ajeito o timbre e deslindo suas lindezas.
“Juliana
acorda, ela se espreguiça, ela está de bom humor ou de mau humor? Vamos ver... Abrindo
os olhos... Ela se levanta devagar! Quando levanta rápido, está braba. Quando
levanta aos poucos, ronronando e me abraçando é sinal de alegria. Feito: está de
bom humor, ela ri para mim. A torcida vibra.”
Não
lembra uma partida de futebol?
“Juliana
busca um copo de água e vem tomar no quarto para olhar o que vestir, ela nunca
escolhe as roupas com antecedência, ela sempre procura as roupas antes de sair,
agora é o momento decisivo do pênalti, ela olha as traves do armário, analisa o
que vai usar, chuta com confiança uma combinação e gol, gooooooooool de
Juliana, gooool”.
Quem
ama pensa em avisar o outro da própria vida - o que é engraçado e curioso.
Quem
ama se vê no direito de devolver a consciência para seu amado.
É a
pretensão de informar o outro dos seus movimentos. Como um espelho verbal. A
voz passa a ser o espelho mais leal do quarto.
Não
há intervalo no jogo de reflexos: tento ser ela, adivinhar seu estado emocional
e sua vontade de viver. Eu me afasto de meus interesses para encarnar uma
personagem e compreender suas escolhas.
O
amor me concedeu uma técnica apurada de observação. Uma sensibilidade para
antever dribles e contra-ataques. Pontuo suas caras e bocas com eloquência
radiofônica. Desfaço ironias, despejo gentilezas.
Não
me limito ao papel de narrador, também cumpro a função de comentarista. Além de
detalhar o andamento da véspera do trabalho, dou pitacos no uniforme, na situação
do gramado e nas estratégias em campo.
“Não
acha que está frio? Pode precisar de um casaco. Calma aí, deixa espiar a web...Há
previsão de chuva de tarde, melhor uma botinha”.
Isso
quando não invento de atuar como repórter em campo, armando entrevistas na
beira da cama ou da mesa do café.
“Está
tudo ótimo? Dormiu bem? Sonhou com o quê?”
Todo
dia é um suspense para desvendar seu temperamento. Mas não estou sozinho, não
duvide, ela faz o mesmo, questionando minhas mínimas e estranhas atitudes. Como
a de jamais acordar em silêncio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário