sexta-feira, 26 de julho de 2013

BARBARA GANCIA

O nada

Em Aparecida há 500 lojas de 'artigos religiosos' feitos, provavelmente, na China por budistas

Não sei distinguir uma begônia de uma hortênsia. Mas pude experimentar, na Patagônia argentina, onde passei alguns dias nesta semana, a mesmíssima sensação que Charles Darwin descreve em "A Viagem do Beagle", sobre ficar para sempre enlevado pela imensidão daquele fim de mundo, de ter tido a mente tomada por uma calma primitiva que compele a um encontro forçado consigo mesmo.

Já tinha estado antes na Patagônia e me deixado arrebatar. Pelo quê? Não há nada ali. Ninguém, nem mísero arbusto, nadica. Só vento e horizonte.

Percebi que o nada é uma experiência mais bem encarada pelo que nele não se encontra. Visto por esse ângulo, as vantagens abundam. Para começar, no nada não há "nobres selvagens", do tipo que inspirou Voltaire e que, originalmente, foi exportado dali, da tribo dos nobres araucanas, invejados pela robustez, valentia e qualidade moral. Foram todos dizimados.

Do Panamá à Terra do Fogo foram 16 milhões de indígenas mortos pelos colonizadores; seria o caso de pedir o Nadal, o Barcelona e o Real Madrid como indenização, só pra começar. Nos raros povoados, incrementados pelo turismo que veio com o aeroporto construído pelo então governador Kirchner (o ex-presidente era natural da província de Santa Cruz, que domina a Patagônia), também há quase nada.

Claro, sempre se dá de cara com um café, uma livraria, um banco e um cassino. Um trago é praxe e o argentino gosta de ler livros que expliquem seu fracasso e a complicadíssima iconografia do peronismo. A prevalência de instituições monetárias, a julgar pelos recentes escândalos envolvendo homens próximos aos Kirchner, serve para lavar dinheiro. E só.

Algo não faz sentido para mim nessa equação do Darwin. Essa história de paz de Deus não me convence. Desconfio que minha serenidade não tenha nada a ver com a contemplação da natureza ou com a placidez.

Assim que regressei, fissurada pela falta de notícias, fui correndo ler os números atrasados da Folha guardados na minha ausência e dei de cara com uma série de monstruosidades na forma de souvenirs oferecidas ao papa durante sua visita. O prefeito de Aparecida presenteou o santo padre com a obra de um "artista local". O líder do PT na Câmara deu a ele um "kit Padim Ciço", com terço e escultura; Dilma ofereceu uma escultura que retrata um frade lendo. Só falta o pintor Roberto Camasmie perpetrar uma obra do pontífice deitado em um divã em pose vamp.

E as quinquilharias? Um dos piores efeitos colaterais do turismo e dos eventos celebratórios como visitas papais ou nascimentos reais são a produção em massa de souvenirs. Entendo que produzir inutilidades seja um meio de empregar quem não consegue amarrar os sapatos. Mas não seria mais útil colocá-los para ajudar em clínicas de castração de cães e gatos? Ou será que só eu percebo que o problema da saúde pública está saindo de controle?

Não seria mais producente contratá-los para desintupir esgotos, trabalhar na distribuição de remédios... Qualquer coisa menos produzir esse monte de lixo na forma de souvenir que só infesta o mundo de lixo e apequena o espírito?

Em Aparecida há 500 lojas de "artigos religiosos", provavelmente confeccionados na China por budistas. Será esse comércio de chaveirinho com santo casamenteiro religião ou superstição? E estátuas sem qualquer valor estético ou artístico, como a de são Francisco, em Canindé (CE), ou a de Frei Galvão, que está sendo erguida em Aparecida? Ou os milhares de Cristos Redentores espalhados pelas cidadezinhas tapuias? Um mais desproporcionado e capenga que o outro, será que não fazem Michelangelo e Botticelli revirar no túmulo?


Me leva para a Patagônia!

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