BARBARA
GANCIA
O nada
Em
Aparecida há 500 lojas de 'artigos religiosos' feitos, provavelmente, na China
por budistas
Não
sei distinguir uma begônia de uma hortênsia. Mas pude experimentar, na
Patagônia argentina, onde passei alguns dias nesta semana, a mesmíssima
sensação que Charles Darwin descreve em "A Viagem do Beagle", sobre
ficar para sempre enlevado pela imensidão daquele fim de mundo, de ter tido a
mente tomada por uma calma primitiva que compele a um encontro forçado consigo
mesmo.
Já
tinha estado antes na Patagônia e me deixado arrebatar. Pelo quê? Não há nada
ali. Ninguém, nem mísero arbusto, nadica. Só vento e horizonte.
Percebi
que o nada é uma experiência mais bem encarada pelo que nele não se encontra.
Visto por esse ângulo, as vantagens abundam. Para começar, no nada não há
"nobres selvagens", do tipo que inspirou Voltaire e que,
originalmente, foi exportado dali, da tribo dos nobres araucanas, invejados
pela robustez, valentia e qualidade moral. Foram todos dizimados.
Do
Panamá à Terra do Fogo foram 16 milhões de indígenas mortos pelos
colonizadores; seria o caso de pedir o Nadal, o Barcelona e o Real Madrid como
indenização, só pra começar. Nos raros povoados, incrementados pelo turismo que
veio com o aeroporto construído pelo então governador Kirchner (o ex-presidente
era natural da província de Santa Cruz, que domina a Patagônia), também há
quase nada.
Claro,
sempre se dá de cara com um café, uma livraria, um banco e um cassino. Um trago
é praxe e o argentino gosta de ler livros que expliquem seu fracasso e a
complicadíssima iconografia do peronismo. A prevalência de instituições
monetárias, a julgar pelos recentes escândalos envolvendo homens próximos aos
Kirchner, serve para lavar dinheiro. E só.
Algo
não faz sentido para mim nessa equação do Darwin. Essa história de paz de Deus
não me convence. Desconfio que minha serenidade não tenha nada a ver com a
contemplação da natureza ou com a placidez.
Assim
que regressei, fissurada pela falta de notícias, fui correndo ler os números
atrasados da Folha guardados na minha ausência e dei de cara com uma série de
monstruosidades na forma de souvenirs oferecidas ao papa durante sua visita. O
prefeito de Aparecida presenteou o santo padre com a obra de um "artista
local". O líder do PT na Câmara deu a ele um "kit Padim Ciço",
com terço e escultura; Dilma ofereceu uma escultura que retrata um frade lendo.
Só falta o pintor Roberto Camasmie perpetrar uma obra do pontífice deitado em
um divã em pose vamp.
E as
quinquilharias? Um dos piores efeitos colaterais do turismo e dos eventos
celebratórios como visitas papais ou nascimentos reais são a produção em massa
de souvenirs. Entendo que produzir inutilidades seja um meio de empregar quem
não consegue amarrar os sapatos. Mas não seria mais útil colocá-los para ajudar
em clínicas de castração de cães e gatos? Ou será que só eu percebo que o
problema da saúde pública está saindo de controle?
Não
seria mais producente contratá-los para desintupir esgotos, trabalhar na
distribuição de remédios... Qualquer coisa menos produzir esse monte de lixo na
forma de souvenir que só infesta o mundo de lixo e apequena o espírito?
Em
Aparecida há 500 lojas de "artigos religiosos", provavelmente
confeccionados na China por budistas. Será esse comércio de chaveirinho com
santo casamenteiro religião ou superstição? E estátuas sem qualquer valor
estético ou artístico, como a de são Francisco, em Canindé (CE), ou a de Frei
Galvão, que está sendo erguida em Aparecida? Ou os milhares de Cristos
Redentores espalhados pelas cidadezinhas tapuias? Um mais desproporcionado e
capenga que o outro, será que não fazem Michelangelo e Botticelli revirar no
túmulo?
Me
leva para a Patagônia!
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