quinta-feira, 25 de julho de 2013


25 de julho de 2013 | N° 17502
L.F. VERISSIMO

Heróis e História

Velha questão: são os homens providenciais que fazem a História ou é a História que os providencia? Estou pensando no Mandela. Ele sem dúvida fez história, mas o apartheid teria se mantido mesmo sem a resistência dramatizada na sua prisão e no seu sacrifício?

Provavelmente não. Martin Luther King simbolizou a luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, empolgou e inspirou muita gente, mas a injustiça flagrante da segregação racial estaria condenada mesmo sem seus discursos e seu exemplo.

Frequentei uma high school americana durante três anos e todos os dias, antes de começarem as aulas, botava a mão sobre o coração e prometia lealdade à bandeira dos Estados Unidos da América e à república que ela representava, com liberdade e justiça para todos, e certamente não era só eu que completava, em silêncio, o juramento: “....exceto para os negros”

Durante anos, a democracia americana conviveu com imagens de discriminação racista, linchamentos e outra violência contra negros no sul do país. Variava apenas o grau de consciência em cada um da hipocrisia desta convivência cega. O que Martin Luther King fez foi tornar a consciência universal e a hipocrisia visível, e insuportável. Mas a justiça para todos viria – ou virá, ou tomara que venha, numa América ainda dividida pela questão racial, como mostra a revolta pela absolvição recente do assassino daquele garoto negro na Flórida – mesmo sem a sua retórica.

Gandhi liderou o movimento de resistência pacífica que ajudou a liberar a Índia do domínio inglês. Há figuras como Gandhi – mais ou menos pacificas – em quase todas as histórias de liberação do jugo colonialista. Mas, por mais atraente que seja a ideia de heróis emancipadores derrotando impérios, a verdade é que eles serviram uma inevitabilidade histórica, independente da sua bravura, do seu discurso ou, como Gandhi, do seu apelo espiritual.

O poder da História de fazer acontecer o necessário, à revelia da iniciativa humana, soa como ortodoxia marxista, eu sei, mas consolemo-nos com a ideia de que a História pode nos ignorar, mas está do nosso lado.


E, dito tudo isto, é preciso dizer que poucas coisas na vida me emocionaram tanto quanto a aparição do Mandela, antes do jogo final da Copa do Mundo na África do Sul, ovacionado pela multidão. Consequente ou não, ali estava um herói.

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