sábado, 27 de julho de 2013


27 de julho de 2013 | N° 17504
NÍLSON SOUZA

Vizinhos

Estava muito inspirado o escritor norte-americano Eric Hoffer quando disse que é mais fácil amar a humanidade inteira do que amar o vizinho. Vale para o morador do apartamento ao lado, vale para o sujeito espaçoso que ocupa os dois braços na poltrona do cinema, vale para o motorista do carro que disputa a vaga ou a estrada com você – e vale também, obviamente, para os povos que fazem fronteira conosco. Os argentinos, por exemplo. Sempre tivemos uma diferença com os argentinos, aqueles italianos que falam espanhol e pensam que são ingleses. Pelo menos era o que se dizia deles antes da Guerra das Malvinas.

E não somos originais nisso: os próprios ingleses zoam os franceses, que zoam os belgas, que chamam os holandeses de burros, que pegam o pé dos finlandeses, que ridicularizam os russos e assim vai. Parafraseando aquela expressão policialesca de péssimo gosto, vizinho bom é vizinho distante.

Pois esse Papa bonachão que nos visita nesta semana já tem um mérito: está fazendo com que mudemos nossos conceitos sobre os vizinhos argentinos. Claro que não vamos renunciar às piadas, entre as quais a que enaltece a sabedoria do Espírito Santo por ter escolhido “o único” argentino humilde para o comando da Igreja. Mas a verdade é que o papa Francisco, com seu jeito despojado, sua simplicidade e sua inequívoca defesa dos pobres, conquistou a simpatia geral dos brasileiros e abriu entre nós um novo espaço de tolerância para com seus patrícios.

No dia da fumaça branca, nunca vou esquecer, a gente acompanhava pela televisão a Praça de São Pedro lotada e eu resolvi brincar com alguns colegas de Redação:

– Tem uma bandeira argentina tremulando perigosamente no meio da multidão – comentei, para, poucos minutos depois, engolir em seco a provocação.

O sentimento geral dos brasileiros, temos que confessar, foi de apreensão e até mesmo de certa frustração. Um argentino? Agora é que eles ficariam convencidos. Enganamo-nos todos. O homem desmanchou nossas resistências já no primeiro pronunciamento, com palavras de humildade, sabedoria e humanidade. Agora, no primeiro dia da visita ao Brasil, pediu licença para bater na porta do coração dos brasileiros. Senti vontade de ressuscitar Manuel Bandeira, dando voz a São Pedro para receber a preta Irene na entrada do céu:

– Você não precisa pedir licença, Francisco!


Além disso (para não perder a piada), os argentinos nunca pedem licença para atravessar nossas fronteiras e afundar o pé no acelerador pelas nossas estradas, como se estivessem no pátio da própria casa.

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