14 de julho de 2013 | N° 17491
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
Por
que existem clubes 14 de julho
Em todo lugar existe Clube 14 de Julho, Rua 14 de Julho,
Praça 14 de Julho. Em todo lugar, das asfaltadas capitais do leste ao agreste
Brasil profundo. É o entusiasmo que suscita a Revolução Francesa, mesmo aqui,
do lado de baixo do Equador.
Bem. Todo mundo sabe que em 14 de julho se comemora a Queda
da Bastilha. Certo. Só que todo mundo está equivocado. A Bastilha foi tomada
pela população francesa em 14 de julho, sim, mas a data nacional francesa se
refere a um episódio que ocorreu um ano depois, em 14 de julho de 1790: a Festa
da Federação.
Essa Festa da Federação foi uma espécie de evento de
reconciliação nacional depois da violência do ano anterior. Paris foi
remodelada para a festa e até o rei Luis XVI foi visto capinando com uma enxada
vulgar para ajudar nos trabalhos. Depois, nos festejos, o monarca jurou
lealdade à Constituição e 400 mil franceses juraram lealdade à monarquia. E
Luis e Maria Antonieta foram ovacionados pelo povo, enquanto a carruagem real
percorria as ruas de Paris:
– Viva o rei! Viva a rainha! Viva o delfim!
Foi esse evento pacífico que os deputados tentaram
imortalizar ao instituir o 14 de julho como data nacional francesa, quase cem
anos depois. Não queriam, os parlamentares, incensar um movimento brutal como
foi a Queda da Bastilha.
Quando falo em brutal, não exagero. Morreram 98 homens e o
administrador da prisão, De Launay, foi torturado de tal maneira pela
população, que pedia, aos gritos: – Matem-me! Matem-me!
Mataram-no, e um ajudante de cozinheiro, alegando que sabia
“trabalhar com carnes”, empunhou uma pequena faca de cozinha e o decapitou como
a um frango. A cabeça de De Launay foi espetada em uma lança e carregada em
êxtase pelas ruas da cidade.
Os deputados de 1880, portanto, não queriam homenagear esse
evento macabro. Queriam homenagear a Festa da Federação. Mas nem sempre as
intenções oficiais vingam, por melhores que sejam. Assim, ainda hoje as pessoas
comemoram a sanguinária Queda da Bastilha no 14 de julho, e ninguém dá a mínima
para a alegre Festa da Federação. Sexo e sangue. Aí é que está. As pessoas se
comovem muito mais com sexo e sangue.
A raposa da área
O Juremir escreveu um livro sobre a morte de Jango. O
Juremir a que me refiro é o Machado da Silva, e imagino que não deva existir
outro.
Conheci o Juremir em 1980, já no nosso primeiro dia de
Famecos. Lembro dele chegando ao bar da faculdade. Tinham-lhe raspado o cabelo
lá na terra dele, Livramento, quando ele passou no vestibular. Ainda fazem
isso, raspar o cabelo dos aprovados? Suponho que não. É uma prática bárbara.
Pois o Juremir estava completamente careca e já era magro
como sempre foi e usava um óculos de aro grosso. Era muito feio. Parecia uma
tartaruga.
Ficamos amigos no primeiro minuto do primeiro tempo. O
Juremir era muito falante nas aulas, muito participativo. Volta e meia metia-se
numa polêmica. Desde cedo, um polemista.
Todas as noites, quase sem falhar, seguíamos em alegre bando
para o bar do Maza, na Bento, e passávamos as madrugadas bebendo e planejando
derrubar o governo ou alguma das meninas da turma. Não obtivemos sucesso em
nenhum dos dois empreendimentos.
Quando nos formamos, o Juremir foi para a França e eu...
para Santa Catarina. Enquanto ele convivia com filósofos e intelectuais na
Sorbonne, eu entrevistava delegados de polícia, presidiários, jogadores de
futebol e mineiros de carvão. Hoje, o Juremir, a cada 14 de julho, suspira em
francês com saudades do tempo em que jogava bola no Bois de Vincennes e era
chamado (segundo ele, segundo ele!) de “a Raposa da Área”. Eu, a cada 14 de
julho, lembro do time de Santana do Livramento. Cada qual com suas valências.
De qualquer forma, ambos retornamos a Porto Alegre e
continuamos amigos. Agora, quando o Juremir concluiu seu livro sobre o Jango,
alcançou-me os originais. Tive o privilégio de ler o texto em primeira mão. O
privilégio e o prazer. O livro é uma saborosa reportagem investigativa sobre
este assunto que vem sendo tão debatido no momento: Jango foi ou não
assassinado?
Juremir pesquisou, entrevistou e especulou com profundidade
a respeito do tema. O que ele diz sobre? Você terá a oportunidade de descobrir.
O Juremir lançará “Jango - a vida e a morte no exílio”, agora, dia 17, às 19h,
na Saraiva do Moinhos Shopping.
Frases da semana
A rainha Maria Antonieta teria dito essa bobagem quando o povo,
faminto, implorava por pão, pão, pão, pouco antes da Revolução Francesa. Uma
injustiça. Maria Antonieta nunca disse isso. Essa frase consta de um romance
que o filósofo Rousseau publicou muitos anos antes da Revolução, quando Maria
Antonieta ainda era chamada de Antoniette, vivia na sua doce e fria Áustria
natal e assistia ao pequeno Mozart, com cinco aninhos de idade, barbarizar ao
piano.
Maria Antonieta, todos sabem, foi guilhotinada. Mas seus
verdugos revolucionários também se deram mal. Danton e Robespierre, o
“incorruptível”, acabaram, como ela, no cadafalso; e Marat foi esfaqueado
dentro da sua banheira. É como disse outro revolucionário, Pierre Vergniaud, ao
subir os degraus do patíbulo:
“A Revolução, como Saturno, devora seus próprios filhos”.
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