26
de julho de 2013 | N° 17503
ARTIGOS
- Abrão Slavutzky*
O poder da leveza
A
palavra viva é capaz de transpor os limites do papel e entrar na vida do leitor.
Algumas entram de tal forma que mudam a forma de pensar de quem lê. E assim
começa a construção do vínculo entre o escritor e o leitor. Vínculo que pode
gerar uma amizade misteriosa, intermediada pelas palavras.
Um
breve exemplo: há uns 15 anos, li um ensaio sobre a palavra leveza escrito por
Italo Calvino. O livro é Seis Propostas para o Próximo Milênio. Nele, afirma
que prefere a leveza ao peso, pois buscou subtrair o peso ora das figuras
humanas, ora das cidades, ora da vida. Talvez seja esse um dos principais
objetivos das palavras como instrumento terapêutico, ou seja: diminuir o peso
que cada um carrega.
Por
outro viés, aqui no Brasil os negros marcaram nossa história com a leveza de
seus cantos e danças. Com alegria, apesar da escravidão, marcaram nosso povo,
seja nas artes, no Carnaval ou na criação da capoeira. Na história mundial, há vários
exemplos, como o conhecido humor judaico gerado no meio das tragédias. Nos últimos
anos está sendo revelado que até no Holocausto os judeus criaram piadas sobre
si e os nazistas.
A
vida é pesada, não faltam perdas sofridas e frustrantes. Aliás, um dos fatores
do peso de viver se origina nas frustrações e privações. Os que suportam menos
as perdas tendem a se mortificar, e aí reside boa parte do peso. As mortificações
são abatimentos psíquicos originados nos variados desgostos, como vivência de
separações e desamparos. Então a própria companhia pode se tornar insuportável,
com monólogos interiores torturantes. São as injustiças no mundo privado que
cada um faz consigo mesmo por necessidade de castigo.
Por
outro lado, a conquista da leveza é possível para quem pode sorrir graças ao
sentido de humor. Um sentido que implica suportar as falhas e conviver com as
incertezas. Ao se questionar, é possível a pessoa ser mais tolerante, mudar de
ponto de vista sobre si e sobre os outros.
Já o
peso pode estar ligado a uma espécie de doença, que poderia ser definida como
queixite, a inflamação da queixa. Como queixosos nos tornamos infelizes, pois
sempre há motivos para choros, faça sol, faça chuva. Outras vezes choramos com
sobradas razões, são tristezas da alma que precisam ser lavadas, e lavando nos
aliviamos.
A
realidade é traumática, e as histórias geram alguma leveza, como esta: um dia,
chegaram a uma aldeia a Verdade e a Parábola para discursarem. A praça
principal estava reservada à Verdade, e, quando foi falar, só havia quatro
pessoas e um cachorro. Já na outra praça do lugar, a Parábola falou diante de
um grande público.
Ao
final da noite, as duas se encontraram e a Verdade, abatida, perguntou à Parábola
por que tão poucos foram vê-la, se ambas pensavam igual. Então a Parábola disse
que tudo dependia de como se dizem as coisas. Precisamos das histórias, das danças,
das músicas, do humor para transcender. Só com a leveza podemos levitar sobre a
pesada realidade.
*Psicanalista
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