quarta-feira, 10 de julho de 2013


10 de julho de 2013 | N° 17487
ARTIGOS - SÉRGIO DA COSTA FRANCO*

O Mercado, um herói sobrevivente

Creio que muita gente foi às lágrimas, no último 6 de julho, diante das imagens do incêndio de nosso Mercado Público. Essa testemunha silenciosa do passado porto-alegrense, que serve à cidade desde 1870, quando ela não passava de modesta capital de província com 30 mil habitantes, até os dias atuais em que se aproxima do milhão e meio, penetrou fundo nas afeições e na memória dos moradores de Porto Alegre.

Não há, entre nós, quem não possua o registro de um fato sentimental ou simplesmente utilitário, ligado ao próprio passado ou de seus familiares, e relativo ao Mercado da Praça 15. Como ele precedeu, em muitíssimos anos, a era dos grandes varejos e dos shopping centers, onde hoje parece transcorrer a vida anímica dos citadinos, os sexagenários da atualidade ali se afeiçoaram ao abastecimento de suas cozinhas e à fruição de lazeres no bar, nos restaurantes, na sorveteria da famosa Banca 40.

Até hoje, certas especialidades importadas e gulodices extraordinárias só podem ser encontradas no velho Mercado Central. E não são as dificuldades de estacionar o automóvel em seu entorno que desestimulem frequência altíssima em suas bancas, congestionamento de compradores, movimento intenso de vendas em qualquer hora e qualquer dia da semana. Sem ter espaços para estacionamento, ainda assim o Mercado se tornou paraíso dos pedestres e um foco de atração de compradores exigentes.

Onde encontrar peças de bom bacalhau? Onde achar fartura de ervas de chimarrão de todas as procedências? Onde o melhor charque? Onde o peixe de melhor qualidade? Onde a variedade de insumos para confeiteiros? Quanto a ervas medicinais, com ou sem receita de pajés ou de comadres, é lá que se encontram numa variedade insuspeitada. E já nem falo de outras especialidades como o arenque defumado, para não parecer esnobe...

O pessoal das religiões africanas ou afro-brasileiras é ali que se abastece para oferendas aos seus orixás. Até a lenda de um Bará assentado no centro do edifício alimenta o imaginário do povo negro da cidade e o atrai com reverência para esse templo oculto. É um fato estranho que isso tenha acontecido, porque, num longo período, o Mercado era um paraíso dos imigrantes italianos, quase uma unanimidade, que ali mantinham grande variedade de negócios e naturalmente cultuavam seus santos católicos.

O Mercado é um denominador comum dos afetos coletivos da cidade. Ricos e pobres o estimam, querem preservá-lo e agora restaurá-lo, a despeito dos modernizadores fanáticos. Essa devoção, que é antiga, fiel e constante, foi o segredo da resistência desse edifício, quando outros tantos prédios históricos desapareceram, tragados pela obsessão do automóvel e das avenidas.


*HISTORIADOR

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