15
de julho de 2013 | N° 17492
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Stendhal e nós
É conhecida
a história do jovem protagonista de A Cartuxa de Parma, romance publicado em 1839,
de Stendhal. Fabrizio del Dongo, inexperiente, admirador de Napoleão, vê-se
inscrito no exército do Grande Corso e, depois de peripécias românticas, vê-se
envolvido num tremendo episódio bélico sob o comando do General Ney, assiste a
mortes cruéis e é ferido na coxa por uma lança, do que se cura sem problemas.
A
partir daí, como diz seu criador literário, Fabrizio se tornou “outro homem”, [agora
vai o trecho original para não trair o autor] ...tant il fit de réfléxions
profondes sur les choses qui venaient de lui arriver. Il n’était resté enfant que sur un point: ce qu’il
avait vu était-ce une bataille? et en second lieu, cette bataille était-elle
Waterloo?.
Isto
é, mais ou menos: “...tanto que fez reflexões profundas sobre as coisas que lhe
aconteceram. Deixara de ser uma criança, exceto por uma coisa: o que ele
assistira foi uma batalha? e em segundo lugar, essa batalha foi Waterloo?”. Quer-se
dizer: ele estivera no maior combate do século 19, aquele que causou a derrota
final de Napoleão, aquele abriu caminho para o redesenho geopolítico da Europa
e, no entanto, só bem depois é que Fabrizio ficou sabendo disso.
Ante
tudo o que acontece em nosso país e nosso Estado – e no mundo, aliás – os cidadãos,
embaraçados e muitas vezes sufocados pela culpa e duvidando de sua própria
inteligência, sentem que estão perante um momento histórico, do qual não haverá
volta e que poderá transformar o mundo, mas cujas ações, métodos e finalidades
ainda não estão claras. Talvez seja da essência das manifestações de rua
justamente essa não-clareza imediata. Sem sucesso tentamos aplicar paradigmas
cartesianos para entendê-las.
Do
governo constata-se a agilidade e a lucidez para estabelecer pontes de diálogo,
pois somente o diálogo permanente e aberto pode traçar ações para responder às
perguntas voláteis das ruas; voláteis, mas nem por isso menos idôneas. Talvez
esteja na errância propositiva a principal marca do movimento, mas essa é uma
explicação pela rama.
Só daqui
a algum tempo saberemos, de maneira completa, o que nos ocorre hoje. Tal como
Fabrizio del Dongo, estamos em meio a uma batalha – e, em alguns momentos,
batalha literal – da qual sairemos, todos, com algumas lesões, mas seguramente
mais sábios. E não precisaremos pensar em Waterloo.
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