24
de julho de 2013 | N° 17501
EDUARDO
VERAS
Ainda o esquecimento
A
memória se esfacela um pouco a cada dia – e nem sempre é o caso de lamentar que
isso aconteça. O próprio do humano é tanto lembrar quanto esquecer. O velho
Borges nos ensinou que pensar compreende necessariamente esquecer. Isso, porém,
não nos isenta de perguntar por que esquecemos daquilo que esquecemos? Por que
fabricamos novas e renovadas lembranças para personagens, eventos e paisagens
que desejamos glorificar, enquanto outras sucumbem, talvez para sempre?
Essa
divagação me ocorre no momento mesmo em que vi a memória se esfacelando. Foi em
uma visita recente a Barra do Quaraí, no extremo oeste do Rio Grande, perto da
chamada Tríplice Fronteira, o ponto onde, de um só golpe, o olhar abarca o
Brasil, o Uruguai e a Argentina.
Barra
do Quaraí, a 717 quilômetros de Porto Alegre, resume-se a três ruas e suas
transversais, casas baixas, um ou dois andares, um único hotel. São evidentes
os sinais da aposta – malsucedida – na variação cambial, na década de 1980 e na
primeira metade dos 90. A cidade, àquele momento, ergueu o hotel, hoje vazio, não
fosse um ou outro pescador, e chegou a contar com 13 supermercados, agora
transformados, todos eles, em prédios fantasmas.
O
mais impressionante, porém, são as ruínas do velho saladero, a charqueada
administrada por ingleses que abatia o gado dos três países, com mão de obra
também dos três países. Funcionou desde meados de 1870 até os anos 1940, quando
o advento dos frigoríficos pôs fim ao ciclo do charque. Da casa em que eram
feitos os pagamentos de centenas de funcionários, restou pouco mais do que uma
tapera, sem telhado ou cobertura, mas ainda com paredes e portas, que a
vizinhança usa de arrimo para a corda de dependurar a roupa lavada.
Pouco
adiante, no meio da mata, sobram a fachada, a cobertura e as paredes internas
do que foi a mansão do gerente do saladero. Trata-se de um palacete de inspiração
eclética (entre o colonial e o neoclássico), do qual apenas se adivinha o
passado suntuoso e ostentatório. As paredes estão pichadas, a vegetação se
infiltra pela alvenaria. Os próprios moradores de Barra do Quaraí arrancaram o
piso na esperança de encontrar um suposto tesouro que os ingleses teriam
enterrado.
Parece
que ninguém estuda ou faz pesquisa sobre a velha charqueada. Não há esboço de
restauração do prédio. Os proprietários do terreno não vivem na cidade. A área
nem sequer está cercada. A ONG Atelier Saladero (www.trinacional.com) deposita
esperanças nas novas gerações. Trabalha com as duas escolas da cidade (uma
municipal e outra estadual) para lembrar que aquelas ruínas são indícios de uma
improvável riqueza que um dia sustentou a própria cidade.
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