04 de setembro de 2012 |
N° 17182
FABRÍCIO CARPINEJAR
Quando a esposa vai embora
Maurício estava separado.
Sua esposa recém abandonou a
casa. Levou as roupas e os pertences sem motivo. Um suicida seria mais educado:
pelo menos, deixaria um bilhete e uma explicação. Não foi o que ocorreu.
Para complicar, Maurício e Karen
irradiavam felicidade nas últimas semanas, o que ferrou com a cabeça do
sujeito. Não houve nenhuma discussão, nenhuma cobrança, nenhum problema
pontual.
Não entendia até aquele momento
uma verdade dura dos relacionamentos: a felicidade separa mais do que a
infelicidade. Poucos suportam depender de outro. Não há maior humildade do que
precisar de alguém.
A empregada Leonice vinha sempre
às 8h, e encontrava o bancário arrumado e com a mão na maçaneta.
Naquela sexta, não foi diferente,
a não ser a esperança da reconciliação.
– Karen ficou dormindo, somente
acordará ao meio-dia. Parecia muito cansada. Assistimos a um filme e deitamos
tarde.
A empregada suspirou feliz com a
reaproximação do casal. Só faltou benzer a porta fechada do quarto.
– Volto para o almoço às 14h –
completou.
A empregada foi ao mercado
comprar ingredientes e preparar um empadão de palmito, prato predileto de sua
patroa.
No decorrer do caminho, recebeu
ligação de Maurício.
– Não esquece a rúcula e o
iogurte natural que acabaram. Karen não abre mão.
Ao meio-dia, Maurício telefonou
de novo:
– Ela levantou?
– Não, permanece quietinha lá,
sonhando com os anjos – respondeu Leonice.
– Então, deixa dormindo.
Quando Maurício regressou para o
almoço, no meio da tarde. Karen não tinha dado sinal.
Ponderou, ponderou e decidiu não
despertá-la.
– Ela nunca pode dormir. Não deve
ter trabalho hoje. Não é o caso de incomodá-la. Acordará sozinha.
O tempo rodou 15h, 15h30min, 16h,
16h30min.
Maurício ligou mais uma vez:
– E Karen?
– Nada ainda.
– Compra flores na esquina e
decora a sala. Gerânios, ela adora essa palavra: gerânio. Ela costuma falar que
a palavra já tem cheiro.
Satisfeita por dentro, Leonice
riu com suas covinhas, concluiu que os dois continuavam apaixonados um pelo
outro.
Quando Maurício regressou às 18h,
Karen resistia dormindo.
Ele teve que pedir:
– Vai acordá-la, passou do
limite, o almoço já é janta.
Leonice ressurgiu na sala branca,
esverdeada, rosa, azul, amarelo, lilás, alternando as cores do medo.
– Não tem ninguém no quarto.
Maurício respirou fundo e somente
disse:
– Não estou pronto para saber
disso. Vamos continuar fingindo que ela ainda mora conosco, tá bom, Leonice?
Nenhum comentário:
Postar um comentário