12
de setembro de 2012 | N° 17190
CINTIA
MOSCOVICH
Churrascão na laje
Estávamos,
um amigo e eu, almoçando na santa paz de um restaurante de comida a quilo. Foi
daí que se ouviu uma musiquinha daquelas infames e, com um alô que mais parecia
um trovão, o cliente da mesa ao lado atendeu ao celular. Não demorou para que o
restaurante inteiro participasse da conversa do cavalheiro, que esbravejava e
xingava seu interlocutor por causa de uma cafeteira elétrica. Como a coisa
tomou proporções de vexame, o amigo que almoçava comigo resumiu:
– Baita
churrascão na laje.
O “churrascão
na laje” a que fez menção o amigo é comparação emprestada do muito divertido
Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, de Luiz Felipe Pondé, que afirma, e
prova, que tudo neste início de século virou hipocrisia, zoeira e falta de
transcendência. Com todo o respeito ao churrasco na laje, nosso grupo de amigos
– que adora uma carninha no espeto – tem debatido a ideia de que, quanto mais
desenvolvido um país, mais silencioso ele se torna.
É como
se o progresso material propiciasse a suavidade das reflexões, como se som e fúria
não combinassem com a civilização, como se a dignidade de um ser humano
dependesse da capacidade de conviver com esse mundo interior, sem precisar
produzir fogos de artifício para preencher algo vazio e incômodo.
Num
plano mais amplo, nas cidades, o silêncio é um dos grandes indicadores daquilo
que se chama genericamente de “qualidade de vida”. Cidade que se preza controla
a poluição sonora: regulam-se desde a buzina dos automóveis até os horários dos
voos nos aeroportos locais.
Esse
esforço coletivo e higiênico valoriza a descoberta de que existe o “outro” e
que esse “outro” não tem nada que ver com os sons que produzimos em escala
individual ou coletiva. Todas as pessoas têm direito a dormir, trabalhar,
estudar, conversar – viver – de maneira confortável e sadia.
Por
acreditar nas virtudes insuperáveis da tranquilidade, da concentração e da
ordem, estou iniciando um movimento para banir a ideia de que o silêncio é chato
e que as pessoas têm que se esganiçar para serem felizes. Gostaria também que a
gente não tivesse obrigação de ser alegre todo o tempo, essa espécie de
histeria coletiva a que a gente aderiu e para a qual empurramos nossas crianças
de forma quase irresponsável.
As
grandes invenções, as grandes descobertas, os grandes arranjos culinários, as
grandes sacadas, as grandes músicas, os grandes livros, as grandes interpretações,
tudo o que representa o melhor do espírito humano foi e é presidido pelo silêncio.
Por
outro lado, o mundo seria mais agradável se a gente pudesse entender que amigo é
aquele sujeito que consegue ficar em silêncio na companhia da gente – e que,
junto com a gente, resiste a atender ao celular.
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