27 de setembro de 2012 |
N° 17205
L. F. VERISSIMO
Ciência e linguagem
Sir Francis Bacon deu um conselho
curioso aos que estudavam a natureza: deveriam desconfiar de tudo que suas
mentes aceitassem sem hesitação. Talvez fosse uma maneira de prevenir contra a
ilusão de que qualquer descoberta humana fosse completa, ou tivesse completamente
desvendado o que Deus encobrira.
No momento (século 17) em que
crescia a ideia herética de que existia um metafórico Livro da Natureza tão
cheio de mensagens de Deus para os homens quanto o Livro dos Livros, Bacon
aconselhava a ciência a não desprezar o que diziam os mitos e as escrituras.
A glória de Deus se manifestava
de várias formas. Algumas eram apenas mais poéticas do que as outras.
A primeira “mensagem” assim
identificada do livro secular da natureza foi o magnetismo, que só começou a
ser estudado a fundo pelo inglês William Gilbert, contemporâneo de Bacon na
corte da rainha Elizabeth I, de quem era médico.
O magnetismo era a prototípica
evidência de uma força invisível na natureza, a primeira alternativa à pura
vontade de Deus como algo por trás de tudo. Albert Einstein contava que o
presente de uma bússola, quando era menino, lhe dera a primeira sensação desta
força misteriosa, e o primeiro ímpeto de desvendá-la.
Mais do que ninguém, Einstein
podia reivindicar uma glória de descobrir igual à glória de Deus em ocultar,
embora nunca abandonasse sua devoção quase religiosa a um determinismo
harmônico do universo, atribuindo-o a Deus ou a que outro nome se quisesse dar
ao indesvendável.
Mas Einstein não seguiu o
conselho de Francis Bacon, de desconfiar do que o satisfazia. Satisfez-se tanto
com suas certezas, que passou os últimos anos da vida buscando uma teoria
unificada da gravidade e do eletromagnetismo que refutasse a teoria quântica
que as ameaçava, e tornava a matéria e seu comportamento inexplicáveis em
qualquer linguagem, científica ou poética.
Quando recém se começava a falar
em partículas subatômicas e seu estranho procedimento, o físico dinamarquês
Niels Bohr disse que elas só poderiam ser descritas usando-se a linguagem como
na poesia. Um sombrio reconhecimento de que a linguagem racional não teria como
acompanhar a especulação científica e estava condenada à analogia e à
aproximação inexata. Assim, os físicos falam em teorias das cordas, em um
universo em forma de donut, ou de bola de futebol, e isso é apenas o som da
mente humana se chocando contra os limites da linguagem, como moscas (para usar
outra analogia) na vidraça.
Einstein morreu sem se resignar à
ideia de que a verdadeira e inexpugnável glória de Deus começa onde termina a
linguagem humana.
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