sábado, 22 de setembro de 2012



23 de setembro de 2012 | N° 17201
O CÓDIGO DAVID

O dia das abelhas

Mel é vômito de abelha. Disse isso para o meu filho, e ele adorou. Contou para os amigos na escolinha, mas eles não acharam tão divertido. A professora também não.

– A profe disse que mel não é vomito (ele diz “vomito”). Mas é, né, papai? – É, sim!

E é. A abelha recolhe o néctar das flores e o “engole”, digamos assim. Dentro dela, enzimas e outras secreções próprias do seu corpinho são acrescentadas ao néctar e, enquanto ela voa alegremente para a colmeia, a mistura vai se transformando em mel, só que mel aguado.

Na colmeia, ela vomita a substância, que outra abelha suga. E vomita. Aí outra suga. E vomita de novo. Assim, de vômito em vômito, a coisa vai se transformando em mel. Então, chega um cara com uma roupa de tela, rouba todo o produto do trabalho das abelhinhas, envasa e vende no súper. Dias depois, você come o vômito com pão ao café da manhã.

Conto tudo isso em homenagem a essa data querida de hoje, o começo da Primavera. Hoje, como você sabe, o dia terá exatamente a mesma duração da noite. A partir de amanhã, os dias aumentarão e as minissaias encurtarão, até que cheguem os dias cálidos e os praianos se mudem para a orla. Mas, além da mudança de clima, você também sabe que, na Primavera, as flores desabrocham e se colorem e liberam seus olores, o que tem a ver, exata e precisamente, com as abelhas.

É que elas, as flores, enfeitam-se e perfumam-se todas pelo mesmo motivo que as fêmeas humanas se enfeitam e se perfumam: para se tornarem atraentes. No caso das flores, óbvio, elas não pretendem atrair nenhum galalau barbudo de vinte e poucos anos de idade, e sim... as abelhas!

São as abelhas que, ao sugar o néctar, se roçam no pólen, que fica grudado aos seus pequenos pés. Como elas passam o dia de flor em flor, levam pólen de uma para outra. E o pólen é, toscamente definindo, o esperma das flores. Logo, são as abelhas que fecundam as flores. Quando você vê uma abelha numa flor está, de certa forma, vendo uma cena de sexo vegetal, com a inclusão de um animal.

A primavera é mesmo uma festa.

A mulher delicada

Quando visitei Versalhes, fiz questão de empreender a caminhada de meia hora pelos jardins até o Petit Trianon, mas não para ver o que dele havia feito Maria Antonieta, e sim para saber se restava lá algo da Madame de Pompadour. É que o Petit Trianon, na verdade, foi construído para ela, para Pompadour, uma das mulheres mais fascinantes do século 18.

Pompadour era a amante oficial de Luís XV, o avô de Luís XVI. Tratava-se de um posto importante, esse de amante oficial, e ela soube exercê-lo.

Luis era bisneto de outro Luís, o XIV, o célebre Rei Sol. Como um bisneto tornou-se rei, suplantando filhos e netos? Graças à incompetência do médico da corte, Fagon, que tratou uma epidemia de sarampo na família real com purgantes, vomitórios e sangrias. Em duas semanas, o médico matou todo mundo. Luis se salvou porque sua ama o escondeu do perigoso doutor. Restou apenas ele para sentar-se no trono.

Em compensação, Luís XV cresceu com sólida saúde. Casou-se com uma princesa polonesa e, no dia de núpcias, na presença de toda a corte, como de praxe, demonstrou seu afeto por sete vezes seguidas. Prosseguiu com igual ímpeto pela vida afora.

A rainha tentava escapar de suas obrigações de alcova, mas ele jamais arrefecia, fazendo-lhe filhos sem parar, 11 no total. Quando Luís deu prioridade às amantes, a exausta rainha sentiu-se aliviada. No início, ele não demonstrou muita criatividade: tomou por amantes quatro irmãs, uma após a outra, nenhuma delas exatamente graciosa, uma delas geniosa demais.

Até que surgiu Madame de Pompadour, linda, inteligente, afável e bem-humorada. Pompadour conquistou-o pela delicadeza e, pela delicadeza, mandou na França. Luís a amou por toda a vida, mesmo quando os ardores da carne foram promovidos a amizade sincera. Foi nesse tempo mais suave que ele ordenou a construção do Petit Trianon para lhe fazer um derradeiro agrado. Mas Pompadour morreu antes que o palacete estivesse concluído. Assim, aquele belo templo do amor e da Primavera foi destinado a uma rainha, e assim está consagrado. Até hoje.

O Petit Trianon

Luís XVI, aquele que teve a cabeça separada do corpo pela guilhotina do carrasco Samson na Revolução Francesa, esse Luís XVI não era um entusiasta do sexo oposto. Um dia suspirou:

– As mulheres é que causaram a perdição deste Estado. As legítimas e as amantes.

Desposou, legitimamente, a bela princesa austríaca Maria Antonieta quando ela estava no fulgor de seus 15 anos de idade, e nem assim se sentiu estimulado. Levou três anos para consumar o casamento. Mas, consumatum est, embeveceu-se com os encantos da esposa, descrita como uma fresca jovem de pele clara e cabelos dourados, e teve filhos com ela e tentou agradá-la também. Numa primavera em Versalhes, anunciou:

– A senhora gosta de flores, pois vou lhe presentear com um buquê.

E levou-a para uma caminhada a fim de lhe apresentar o regalo: o Petit Trianon, palacete incrustado nos fundos de Versalhes, enfeitado com um deslumbrante jardim botânico. Maria Antonieta deu pulinhos de alegria. Ali ela foi feliz. Mandou pintar as paredes de um tom cinza que se tornou famoso na Europa, decorou os interiores com menos espalhafato do que o palácio principal e, a partir daquele dia, fez do lugar o seu refúgio, e o de seus amigos.

Da próxima vez que você for à França, vá em meio à Primavera europeia, visite o Petit Trianon e experimente um pouco da emoção que Maria Antonieta sentiu ao ver seus jardins floridos pela primeira vez. E, claro, nem lembre que, mais tarde, Robespierre e seus asseclas mandaram cortar o alvo pescoço da rainha dos franceses.

O QUE LER

O deputado e historiador francês Max Gallo escreveu um belo livro em que Luís XVI e Maria Antonieta pontuam como personagens principais. Trata-se de Revolução Francesa, lançado em dois alentados volumes pela L&PM.

Ao contrário de muitos historiadores franceses da escola marxista, Max Gallo privilegia o texto fácil, e transforma seu livro em um romance histórico que você pega e não quer mais largar.

Leia Revolução Francesa durante a Primavera e você compreenderá como desabrochou o mundo belicoso do século 20.

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