26 de setembro de 2012 |
N° 17204
DIANA CORSO
Carnaval de primavera
Os historiadores não se cansam de
lembrar que a dita tradição gaúcha, o gaudério de bota, bombacha, lenço no
pescoço, sorvendo sua cuia de chimarrão, não passa de uma brincadeira cultural.
Longe da verdade histórica, o bravo guerreiro, tão celebrado a cada setembro, é
a fantasia glamourizada de um peão que nunca existiu.
Homens e mulheres vivem nos CTGs,
no Acampamento Farroupilha e nos desfiles, uma espécie de Carnaval de primavera.
Fantasiados de gaúcho e prenda, fazem danças típicas, acrobacias equestres e
festejam por vários dias o mútuo reconhecimento.
Depois falamos da longa duração e
da entrega popular aos orgiásticos e ostensivos carnavais baiano ou carioca,
como se os prolongados festejos sulistas nos ocupassem menos. De qualquer modo,
durante esta época, os nativos sentem-se felizes e tranquilos, assim fardados e
comportando-se conforme os clichês da personagem. Umas poucas insígnias
resolvem as inquietudes de que tanto padecemos.
Fora da festa, a vida é mais
hostil: os papéis viril e feminino não cessam de ser questionados, a sabedoria
dos pais não vale um vintém e, diferentemente do patrão do CTG, ninguém ousa
dizer aos mais jovens o que vestir, cantar e pensar. No baile à fantasia
tradicionalista, basta envergar o traje regulamentar, e todas essas incertezas
são banidas, gaúcho corretamente fardado é macho, prenda com saia de armação e
flor no cabelo é mulher. As dúvidas do século 21 são resolvidas com o
imaginário do 19, e estamos conversados.
“Não há como ser original, se não
for com base em uma tradição”, escreveu o psicanalista Winnicott, aludindo ao
fato de que partimos de uma base, que nos alicerça, justamente para
transcendê-la. Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, apesar do aspecto
tranquilizante da festa regional, nossa cultura só mostrará sua riqueza
enquanto for tributária do maior acervo de referências que pudermos adquirir.
Jorge Luis Borges, que muitas
histórias de homens do campo escreveu, já dizia que “nossa tradição é toda a
cultura ocidental”, “nosso patrimônio é o universo” e que “não podemos
aferrar-nos ao argentino para ser argentinos: porque o ser argentino é uma
fatalidade e nesse caso o seremos de qualquer modo”.
Ele propunha, como contraponto,
que “se nos abandonamos a esse sonho voluntário que se chama criação artística,
seremos argentinos e seremos, também, bons e toleráveis escritores”. O mesmo
vale para nós, gaúchos. Só para lembrar que nosso movimento tradicionalista
organiza uma boa festa popular, mas a arte e a cultura das quais nosso povo
pode se orgulhar são muito maiores do que isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário