19
de setembro de 2012 | N° 17197
MARTHA
MEDEIROS
Nós
Poucas
pessoas gostam de viajar sozinhas. O que é compreensível: a melhor modalidade é
a dois, também acho. Mas, na ausência momentânea de parceria, por que
desconsiderar uma lua de mel consigo mesmo?
Uma
amiga psicanalista me disse que não é por medo que as pessoas não viajam
sozinhas, e sim por vergonha. Faz sentido: numa sociedade que condena a solidão
como se fosse uma doença, é natural que as pessoas se sintam desconfortáveis ao
circularem desacompanhadas, dando a impressão de serem portadoras de algum vírus
contagioso. Pena. Tão preocupadas com sua autoimagem, perdem de se conhecer
mais profundamente e de se divertir com elas próprias.
Vivi
recentemente essa experiência. Tirei 10 dias de férias, e não diga que não
reparou, ou morrerei de desgosto. Estive em lugares que já conhecia para não me
sentir obrigada a conferir as atrações turísticas _ o “aproveitar” não precisa
necessariamente ser dinâmico, podemos aproveitar o sossego também.
Minha
intenção era apenas flanar, ler, rever amigos que moram longe e observar a vida
acontecendo ao redor, sem pressa, sem mapas, sem guias. Dormir até mais tarde e
almoçar na hora em que batesse a fome, se batesse. Estar disponível para
conversar com estranhos, perceber o entorno de forma mais aguçada, circular de
bicicleta por cidades estrangeiras. Ave, bicicleta! Diante do incremento de
turistas no mundo, não raro impossibilitando a contemplação de certos pontos,
alugar uma bike às 7h30min foi a solução para curtir ruas vazias e silenciosas.
Solitários,
somos todos, faz parte da nossa essência. Não é um defeito de fabricação ou
prova de nossa inadequação ao mundo, ao contrário: muitas vezes, a solidão
confirma nossa dignidade quando não se está a fim de negociar nossos desejos em
troca de companhia temporária. E a propósito: quem disse que, sozinho, não se
está igualmente comprometido?
Numa
praça em Roma, um casal de brasileiros se aproximou. Começamos a conversar. Lá pelas
tantas, perguntei de onde eles eram. “De São Paulo, e você?” Respondi: “Nós, de
Porto Alegre”. Nós!!! Quanta risada rendeu esse ato falho. Eu e eu. Dupla imbatível,
amor eterno, afinidade total.
Se
você não se atura, melhor não viajar em sua própria companhia. Mas se está tudo
bem entre “vocês”, saiam por aí e descubram como é bom sentar num café num dia
de sol, pedir algo para beber enquanto lê um bom livro, subir até terraços para
apreciar vistas deslumbrantes, entrar em lojas e ficar lá dentro o tempo que
desejar, entrar num museu e sair dali quando bem entender, caminhar sem trajeto
definido nem hora pra voltar, pedalar ao longo de um rio ouvindo suas músicas
preferidas no iPod, em conexão com seus pensamentos e sentimentos, nada mais.
Vergonha?
Senti poucas vezes na vida, quando não me reconheci dentro da própria pele. Mas
estando em mim, sob qualquer circunstância, jamais estarei só.
Uma
deliciosa quarta-feira pra você. Ainda que com chuva que teima em continuar
neste Porto e que por isso não está nada alegre...
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