12
de setembro de 2012 | N° 17190
DIANA CORSO
Frankenstein
on drugs
O
cara não se sente à altura do cargo, teve a sorte de ser selecionado, mas se
acha infradotado. O trabalho é insano, seus colegas também estão alucinados,
todos fazem coisas além das suas capacidades, superar limites é o mínimo que se
espera. Conhecem-se pouco, para a organização são números, importante é o
sucesso da missão. Só há um jeito de garantir a eficiência: drogas. Consumidas
garantem um desempenho perfeito. Os outros também usam, todos temem a abstinência,
sem elas nada feito.
O
discurso acima serviria para o mundo dos negócios, do entretenimento, da vida
social, mas, no caso, trata-se de um filme, no qual agentes americanos, a serviço
de missões secretas, são submetidos à manipulação bioquímica. É Legado Bourne,
o quarto filme da série inspirada nos livros de Robert Ludlum, agora sem o
charme de Matt Damon, mas ainda divertido.
A
novidade desse episódio é a conexão das capacidades superlativas do herói com
as substâncias que lhe são administradas, o que o torna um dependente químico. A
corrida toda, que é a luta da criatura contra o criador, característica dos
episódios anteriores, agora circula em torno desses remédios. O herói atual
sonha em libertar-se deles, mas não sem antes garantir o efeito permanente dos
poderes que lhe emprestam.
Os
filmes sobre o agente Jason Bourne são variações sobre o tema da história de
Frankenstein. Desde o monstro de Mary Shelley (1818), surgiram muitas versões
dessa criatura. Todos eles, a exemplo dos Replicantes de Blade Runner, são
fruto de um sonho transformado em pesadelo.
O
enfrentamento entre cientista e sua obra, a criatura, é sempre terminal e o
arrependimento pela empreitada determina a eliminação da experiência. Victor
Frankenstein recriou a vida, reanimou tecidos mortos e horrorizou-se com seu
ato no mesmo momento em que seu monstro abriu os olhos. No caso dos
Replicantes, de vários robôs da ficção e destes agentes secretos turbinados,
produzem-se seres de potência incontrolável, que pecam por ganhar autonomia e
desobedecer. Mas o importante nesta série de reaparições do mito, é investigar
as novas formas que ele assume.
Neste
caso, o que a criatura quer é o sucesso. Para tanto, precisa das drogas da
eficiência, legais ou ilegais, que fazem parte da nossa cultura. Na missão de
vencer, distração é pecado, os outros são inimigos ou rivais, limites são para
os fracos. Se falhar, a fila anda, você está morto. Hora de reler Frankenstein,
pois a história começa com um aviso: a obsessão por ignorar os limites torna-nos
seres assustadores, irreconhecíveis aos próprios olhos.
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