22
de setembro de 2012 | N° 17200
CLÁUDIA
LAITANO
Feitiço da
fila
A
fila não só anda, mas fala. Se as filas pudessem ser conservadas em âmbar,
seriam como fósseis sociológicos à espera de um Indiana Jones disposto a
decifrar os segredos de uma época. Diga-me por que te perfilas e te direi quem
és.
Há
basicamente dois tipos de fila, as compulsórias e as eletivas. A compulsória é
aquela que sequestra o tempo e a disposição da vítima: fila para ser atendido
no hospital, fila para matricular o filho na escola, fila para receber a
aposentadoria...
Em
situações extremas, o primeiro sinal de que a sociedade entrou em colpaso é a fila
para satisfazer necessidades básicas. Quanto mais filas compulsórias uma pessoa
é obrigada a enfrentar, menos desenvolvido é o lugar em que ela vive. Fila é o
IDH sem estatística.
A
fila eletiva é aquela que enfrentamos por nossa conta e risco de desconforto:
para visitar um museu pela primeira vez, para ver o time jogar uma final, para
ficar perto de um ídolo. Claro que a fila eletiva dos outros sempre pode nos
parecer sem sentido, mas exatamente porque os motivos que levam algumas pessoas
a enfrentar uma fila nos parecem insondáveis é que elas são tão interessantes.
Não
é absurdo imaginar que algumas são retroalimentadas pelo “fetiche da fila”: se
existe uma fila, e eu não estou nela, devo estar perdendo algo. Não sei se é
lenda urbana ou fato, mas já ouvi dizer que algumas casas noturnas de Porto
Alegre dificultam a entrada para provocar filas e atrair mais gente ainda –
para a casa e para a fila.
A
fila na frente daqueles lugares que no pleistoceno eram chamados de “boate”
sempre me comove. Apesar da roupa de festa e do cabelo arrumado, a fila do
sabado à noite é quase compulsória, já que a maioria dos que estão ali – de pé,
no frio, as meninas de salto alto – é movida pela universal necessidade básica
de se dar bem no fíndi.
Exótica
mesmo é a fila que atrai um sujeito capaz de dormir na frente de uma loja para
comprar um produto que ele poderia adquirir alguns dias depois – sem fila.
Devidamente registradas para a posteridade, as filas para comprar o último
modelo do iPhone são o fóssil da nossa época que os estudiosos do futuro irão
examinar com curiosidade e espanto.
Diante
das lojas, em Nova York, na Alemanha ou Hong Kong, adultos aparentemente
normais erguem o aparelhinho como se fosse o troféu de uma maratona. E de certa
forma é, já que a fantasia que alimenta é a de que seus usuários poderão
ultrapassar os limites do próprio corpo. Saber mais, viajar mais, comunicar-se
mais, divertir-se mais. Navegar pelo cybercosmos com liberdade infinita e numa
velocidade cada vez mais alucinante.
Talvez
os geeks na fila do iPhone se vejam assim, como aventureiros de um novo mundo,
ansiosos para expandir fronteiras em suas embarcações portáteis de última
geração (até o próximo modelo) . Vistos de longe, porém, a única liberdade que
os maratonistas do iPhone parecem exercer é a de escolher a marca a que
decidiram ficar presos.
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