terça-feira, 11 de setembro de 2012



11 de setembro de 2012 | N° 17189
LUÍS AUGUSTO FISCHER

O violão e o Brasil

Nem precisa ser violonista, de verdade ou de araque (como eu), para apreciar o excelente livro Violão e Identidade Nacional, de Márcia Taborda (editora Civilização Brasileira, 2011). O subtítulo modula um pouco o alcance: Rio de Janeiro, 1830-1930.

Vá lá: carioca ou paulista falando de sua província como se ela fosse o país todo é coisa comum, a que nós, cá na província sulina, estamos acostumados; mas é sempre bom saber que uma estudiosa do tema como a autora restringe a conversa. (Ela é violonista e professora da UFRJ, com doutorado em história social.)

Ao que interessa: o livro é um painel muito bem escrito sobre a história do violão, o instrumento, desde suas origens no alaúde, e depois um histórico do papel do violão e dos violonistas na cultura brasileira nascida na antiga capital federal, com várias ilustrações de grande valia.

Do ponto de vista metodológico, Márcia Taborda tem o alto discernimento de tomar emprestada a lente de Peter Burke para olhar para seu objeto. Como se sabe, Burke talvez tenha sido o mais feliz sintetizador dos dilemas da produção cultural que nasce com pais tanto na esfera letrada quanto nas práticas populares.

É dele a formulação de que é melhor estudar a interação entre os estratos culturais do que pensar em termos de culturas alta e baixa como realidades apartadas que se influenciam; é dele também, creio, a noção do “mediador”, o sujeito histórico que faz o meio-de-campo entre o que ele prefere chamar de grande e pequena tradição, correspondendo ao que nacionalistas e populistas pensam como alta e baixa cultura.

O ponto de partida é o nome do instrumento: a autora analisa com minúcia a singularidade de o português ter o termo “violão” em contraste com as outras línguas ocidentais, que preferem “guitarra”, do árabe. Com essa advertência em vista, ela percorre de novo depoimentos de antigos viajantes, que muitas vezes falavam em “violinos”, mas que foram traduzidos erradamente como “violões”.

O painel vai-se fazendo aos poucos, com muita documentação. Em certo ponto, Márcia Taborda demonstra como o violão de seis cordas (de tripa) ganhou espaço na Corte, migrando a viola de cinco cordas duplas (de ferro) para o interior.

Mostra também o papel do instrumento na fixação das modinhas e dos lundus (a polca e a valsa, difundidas a partir de 1840, eram executadas por piano), depois na invenção do choro na década de 1870 e, finalmente, na figura singular de Catullo da Paixão Cearense, destacado violonista, poeta e intérprete, responsável por muitas das virtudes e mazelas da canção popular urbana no Brasil.

Nenhum comentário: