16 de setembro de 2012 |
N° 17194
VERISSIMO
Me belisque
Eu nunca sei se estou sonhando ou
não. É por isso que estou aqui, doutor
Como psicanalista, o Dr. Abreu já
tratara de muita gente estranha. Um paciente tentara esgoelá-lo e saíra do
consultório diretamente para o manicômio. Outro contara em detalhes toda a sua
vida, que o dr. Abreu não demorara em identificar como sendo a vida do Thomas
Edison. Por isso, o dr. Abreu não se surpreendeu quando a primeira coisa que
aquela nova paciente disse foi:
– Eu posso não estar aqui.
O dr. Abreu pediu, sorrindo, para
ela explicar. Ela disse:
– Eu nunca sei se estou sonhando
ou não estou. É por isso que eu estou aqui.
– Então você está aqui – disse o
dr. Abreu.
– Se eu não estiver sonhando. Eu
posso estar na minha cama, dormindo, e sonhando que estou aqui.
– O que não a impede de falar, e
me contar os seus problemas.
– Meu problema é um só. Não
consigo distinguir sonho de realidade.
– Muito bem. Vamos supor que isso
seja um sonho. Que eu também não esteja aqui, e sim no seu sonho. Podemos fazer
a sessão assim mesmo. Com a vantagem que você não precisará pagá-la, já que é
tudo um sonho.
– O senhor acha? – Acho.
Deite-se, por favor.
– Aqui, no divã? – Por favor.
O dr. Abreu pediu para ela contar
desde quando confundia sonho com realidade. Ela respondeu que desde criança.
Ela se lembrava de algum trauma de infância que pudesse ter desencadeado a
confusão? Não, não. Na verdade sua infância tinha sido um sonho. Ou então ela
sonhara que tinha sido um sonho. Era difícil dizer.
– Você nunca fez um teste para
saber se era sonho ou não?
– Como, teste?
– Por exemplo, tentar fazer uma
coisa completamente impossível. Voar. Sair voando pela janela. Se você
conseguir voar, é sonho. Se não, não é.
– Me belisque.
– Como?
– É um teste. Me belisque. Se eu
sentir, não é sonho.
– Desculpe, mas eu não posso
beliscá-la. Não posso tocá-la. Seria antiético.
– Só se não fosse sonho. Se
fosse, não teria importância. Sonho não tem ética, não tem moral, não tem
regras, não tem lógica. Num sonho nada é impossível, nada é proibido. Me
belisque.
– Não posso.
– Você não quer me ajudar? Seria
um beliscão terapêutico. Para acabar com as minhas dúvidas.
– Desculpe.
– Você prefere que eu tente sair
voando pela janela. É isso?
– Não, eu....
– A verdade é que você não tem
certeza se isso é um sonho ou não. É ou não é?
– Claro que não. Eu tenho certeza
que isto é a realidade.
– Então me belisque, para provar.
– Não. – Me belisque! – Não
posso. – Me belisque!
Naquele momento, o dr. Abreu
pensou no seu velho sonho de largar a profissão se retirar para um sítio, longe
da voz humana.
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