24 de setembro de 2012 |
N° 17202
L. F. VERISSIMO
Dick Tracy
Se todas as previsões feitas no
passado sobre como seria a vida hoje dessem certo, cada um de nós teria um
helicóptero - ou coisa parecida – na garagem, e para viagens mais longas só
usaríamos aviões supersônicos. Os Volkswagens voadores não vieram, para não
falar nas megalópoles superorganizadas, com calçadas rolantes, num mundo em paz
permanente e sem pragas, mas o Concorde parecia ser um sinal de que pelo menos
parte da visão se cumpriria, mesmo com atraso.
O Concorde era um protótipo que,
com o tempo, se aperfeiçoaria e se democratizaria. Seus defeitos eram
desculpáveis, tratando-se de um protótipo. Fora as críticas irrelevantes (sim,
querida, o caviar é Beluga, mas com a granulação errada), o pior que se dizia
de uma viagem no estreito Concorde, com suas poltronas
apertadas, era parecido com o que aquele inglês da anedota disse do ato
sexual:o prazer é fugaz e a posição é ridícula. Tudo isso seria corrigido com o
tempo, inclusive o seu maior defeito, o preço das passagens, só acessível a
quem pode distinguir o grão do caviar.
Mas o Concorde acabou antes de se
tornar viável. E o que se chora não é o fim de uma máquina muito cara e talvez
desnecessária, mas de um sonho: o que seria a vida se todas as possibilidades
abertas pela ciência e a tecnologia depois da Primeira Guerra Mundial tivessem
dado em outro mundo. No fim, o que a gente mais sente falta do passado é o
futuro que ele previa.
O Concorde podia ser só uma
extravagância feita para você poder almoçar em Paris e almoçar de novo em Nova
York. Acabou como símbolo do fim prematuro de um século que só ficou na
imaginação.
Em compensação, o futuro previsto
no passado não incluía uma palavra, uma pista, uma sugestão que fosse da grande
revolução que viria e ninguém sabia, a da informática. Quer dizer, o futuro
imaginado no passado já era um futuro obsoleto. O único tênue presságio do que
viria era o rádio de pulso do Dick Tracy, lembra?
O próprio Tracy não sonhava que
um dia ele teria no seu pulso, para combater o crime, um dispositivo que
receberia e emitiria imagens e mensagens, calcularia, fotografaria e diria como
estava o tempo em qualquer lugar do mundo.
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