16 de setembro de 2012 |
N° 17194
MARTHA MEDEIROS
A era do compacto
Estava
num avião, voando do Rio para Porto Alegre. Ao meu lado, um casal. Ele lia
Retrato em Sépia, de Isabel Allende. No finalzinho da viagem, fechou o livro e
fez o seguinte comentário pra esposa: Por mim, os livros não precisariam ter
este número de páginas, um resumo da história estaria mais do que bom.
Há quem escolha um livro pelo
número de páginas. Se tiver mais que duzentas, não chega nem perto. Livrão: taí
uma coisa que não me inibe. É bem verdade que um tijolaço não é lá muito
agradável de segurar, mas nada impede que seja devorado com prazer. No entanto,
é uma exceção que abro para a literatura. Para quase todo o resto, sou fã dos
compactos.
Cinema, por exemplo. Não entendo
por que esta mania agora de filme com três horas de duração. Era tão bom quando
os filmes duravam no máximo duas horas. Sessões às 14h, 16h, 18h, 20h. Agora as
sessões começam em horários mais esdrúxulos: 14h10min, 17h25min, 20h50min. E o
troço não termina nunca.
Peça de teatro, nem me fale.
deveria ser lei: não durar mais do que 90 minutos – que o Zé Celso Martinez
Corrêa não me ouça. Gosto muito de teatro, mas também gosto muito de jantar. Em
tempo: tampouco gosto de me estender demais nos restaurantes. Não gosto de me
estender em festas. Não gosto de me estender demais fora da minha casa e fora
da minha rotina. Não gosto de nada que extrapole o tempo regulamentar do meu
humor e da minha capacidade de simpatia.
Reconheço que nada do que estou
dizendo é digno de aplauso. Manda a etiqueta não se apressar, usufruir de tudo
com calma, dar tempo para que as coisas se desenvolvam. Na teoria, concordo. na
prática, sou menos paciente. Não lido bem com situações que se arrastam, com
falta de objetividade, com rodeios.
Fico nervosa com gente que fala
muito pausadamente e leva 10 minutos pra dizer o que poderia ser dito em três.
Pessoas que perdem horas ao telefone sem chegar logo ao ponto. Música que
repete à exaustão o estribilho: eu cortaria uns quatro “lá, lá, lá, lá, lá, lá,
lá, hey, Jude...” no final da música dos Beatles. Que heresia: sobrou até para
os Beatles.
E o que dizer de um palestrante
que ama a própria voz – e e-mails do tamanho de teses de mestrado? E de
doutorado? E novelas? Alguém me explica por que ainda fazem novelas que duram
oito meses?
Estou dando a impressão de que
fui abduzida por esse mundo que não enaltece o prazer, que não se entrega à
reflexão, que não curte as travessias. Mas a verdade é que eu ainda me regalo –
e muito – com prazeres, reflexões e travessias, sem achar que para isso é
necessário que elas me esgotem, que me obriguem a chegar na outra margem sem
fôlego.
Para provar que não sou um caso
totalmente perdido, algumas coisas ainda aprecio que sejam longas, como as
amizades, as caminhadas, as conversas em volta da mesa, nosso tempo de vida. E
uma boa transa, claro.
Já sexo tântrico é outro exagero.
Cinco horas pra atingir o orgasmo? Esse pessoal não tem que trabalhar no dia
seguinte?
Martha Medeiros está em férias e
volta na próxima edição. Esta coluna foi originalmente publicada em 27 de maio
de 2009 e faz parte do livro Feliz por Nada.
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