13
de setembro de 2012 | N° 17191
LETICIA
WIERZCHOWSKI
Os olhos de Mauricio
Conheci
primeiro as suas obras. Me tinham contado de um livro... Las Cartas que No
Llegaron. Procurei no litoral uruguaio durante umas férias, mas só fui tê-lo em
mãos dois anos mais tarde, em Frankfurt – presente do Jordi, um cara joia que
trabalha com a minha agente Nicole Witt. E foi num trem para Berlim que conheci
a família Rosencof e a sua vida em Montevidéu: o alfaiate Isaac, que esperava
as cartas da família que nunca chegariam da Polônia ocupada pelos nazistas,
Rosa, sua mulher, León e o pequeno Maurício. Nesse trem, chorei o mais profuso
pranto que um livro já provocou em mim.
E
tanto que os passageiros me olhavam, constrangidos, e meu marido tentava
acalmar-me em vão, já meio estranhado ele também, pois em plena viagem pela
Europa eu tinha me metido naquela outra viagem, através do tempo e da guerra,
pelas mãos de Rosencof.
O
livro tanto me tocou que o traduzi. As Cartas que Não Chegaram (editora Record),
estará nas livrarias em março de 2013. Mas Rosencof, mesmo depois de vários e-mails
trocados, eu não conhecia pessoalmente. Conhecia, isso sim, a sua história. Uma
história de coragem e de sofrimento. De superação e de literatura. Mauricio
Rosencof foi um dos dirigentes do Movimento Tupamaro no Uruguai e, preso em 1972,
foi mantido numa solitária por 11 anos, seis meses e alguns dias – sem ver ninguém,
sem enxergar a luz do sol.
Nessa
prisão tumular, teve a companhia de dois outros homens com os quais nunca
falou, mas com quem desenvolveu a artimanha de se comunicarem através das
paredes, em código morse.
Esses
seus companheiros foram (vejam só!) José Mujica, hoje presidente do Uruguai (presidente
que, saibam, doa seu salário integralmente para entidades filantrópicas
uruguaias), e Eleuterio Fernández Huidoro, jornalista como Rosencof, hoje
ministro da Defesa Nacional. O próprio Rosencof foi, até pouquíssimo tempo atrás,
diretor de Cultura de Montevidéu. A história desses anos de masmorra está no
livro Memorias del Calabozo.
Na última
quinta-feira, porque ele veio à cidade para assistir ao Porto Alegre em Cena,
fui conhecer Mauricio Rosencof e sua esposa, Matilde. Mesmo sendo uma
escritora, nunca me desassocio da estranheza de conhecer um autor que admiro
muito. Ao ver Maurício, porém, não me veio nenhuma timidez.
Me
veio, isso sim, inteirinho, um trecho de Las Cartas que No Llegaron: “... a primeira
coisa que eu conheci foram os olhos. Uns olhos claros, transparentes, astutos,
bons e travessos, que sempre estavam sorrindo. Meu pai tinha os melhores olhos
do mundo”. Mauricio herdou os olhos do pai, Isaac. Nunca vi tamanho azul, nem tão
lindo. Nenhum calabouço, nenhuma ditadura poderia apagar a luz daquele azul. Os
olhos de Mauricio são duas janelas para o céu. E os seus livros, memoráveis.
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