terça-feira, 18 de setembro de 2012



18 de setembro de 2012 | N° 17196
CLÁUDIO MORENO

Homens e mulheres (18)

Pouco se fala em Hipátia, a jovem e trágica filósofa de Alexandria, fascinante personagem que a História praticamente escondeu. O que a perdeu foram suas virtudes: além de jovem e bonita, era extremamente brilhante, uma qualidade intolerável para uma mulher que, como ela, viveu no séc. 4 depois de Cristo. Educada pelo pai, Téon, também cientista famoso, ela o suplantou em tudo, sendo considerada por muitos autores contemporâneos – todos homens, é bom que se diga – como a mais brilhante matemática e astrônoma de seu tempo. Além disso, foi estudar filosofia em Atenas, onde conquistou o respeito unânime de seus mestres e colegas.

De volta a Alexandria, sua inteligência e sua erudição fora do comum atraíram discípulos e admiradores incontáveis – alguns, inclusive, dela se enamoraram, fascinados por aquela mistura preciosa de beleza e sabedoria; ela, no entanto, nunca teve homem, dedicando a castidade e a juventude ao estudo e à ciência. Vestida com o manto dos filósofos, andava pelas ruas centrais da cidade, explicando, a quem pedisse, os escritos de Platão e de Aristóteles.

O próprio prefeito da cidade era seu discípulo e frequentemente vinha consultá-la, acompanhado de seus magistrados. Ironicamente, a seriedade de sua carreira e o imenso prestígio de que desfrutava atraíram a inveja de inimigos poderosos, que decidiram que ela tinha de morrer.

O cristianismo ainda estava se consolidando em Alexandria, e seus adeptos viam em Hipátia uma perigosa representante do paganismo, pois ela, com todo seu brilho, mantinha viva a cultura clássica dos gregos. Dizem que seu destino foi selado quando um dos bispos passou em frente à casa dela e se espantou com a pequena multidão ali reunida; ao saber que toda aquela gente estava ali para ouvi-la falar, incitou seus seguidores para que calassem para sempre a voz da jovem filósofa: quando ela saiu para sua caminhada costumeira, uma turba feroz de fanáticos a atacou, despindo-a e arrastando-a pelas ruas até o pátio de uma igreja.

Ali, numa cena de incrível selvageria, retalharam seu corpo, arrancaram seus olhos, separaram-lhe a carne dos ossos e queimaram depois os despojos sanguinolentos; para justificar este crime hediondo, acusaram-na de feitiçaria e magia negra e esconderam o nome de seus assassinos debaixo de uma rede de versões contraditórias.

A corajosa Hipátia pagou pelo pecado imperdoável de ser uma mulher culta num mundo exclusivamente masculino; seus matadores, agindo como se ela fosse uma aberração que precisava ser extinta, queimaram também suas obras e sepultaram seu nome no silêncio inexplicável dos livros de História. Hoje, mais do que nunca, ela volta para lembrar o quanto, apesar de tudo, nosso mundo melhorou – e muito.

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