13
de setembro de 2012 | N° 17191
ARTIGOS
- ABRÃO SLAVUTZKY*
Somos menos do que sonhamos
Osonho
é uma aptidão da alma que nos permite voar. Foi o que fez uma menina, quando
sonhou em ser a rainha do mundo. Perguntei a ela se não sofria ao terminar o
sonho e disse que não. Questionei, então, se não preferia que o sonho fosse
verdade. Falou que imaginar ser rainha é mais alegre que ser na realidade. Fiquei
quieto diante da sabedoria infantil de quem pode simbolizar.
Aliás,
nós, adultos, iríamos melhorar se fôssemos reeducados pelas crianças. Por
exemplo: ninguém melhor do que elas para ensinar a arte de brincar de faz de
conta! Na verdade, somos menos do que sonhamos, o que não é negativo, pois o
sonho é tempero indispensável no processo criativo.
Por
outro lado, há sonhos que, se postos em prática, podem se transformar em
pesadelos. Algumas fantasias de sociedades quase perfeitas, de todos os
matizes, se revelaram autoritárias e cruéis.
Sonhei,
como tantos, com um mundo de plena igualdade, justiça social, sem guerras,
quase um paraíso. Há muitos anos descobri que havia idealizado, mas foi bom
sonhar, assim como é bom conhecer melhor a condição humana. Aprendi que a
utopia está no horizonte e serve para caminhar. Portanto, diante das desilusões
que doem, há os que se deprimem decepcionados. Já outros aprendem e se
recuperam das ilusões perdidas. São os que enriquecem com novos conhecimentos
tanto de si como do mundo.
Os
sonhos vivem em nós, até os que se perderam pelo caminho. Comigo caminham todos
os sonhos, os reveses que sofri, os amigos que perdi, os dias felizes que
voaram. Na verdade, o passado são memórias enriquecidas com o tempo e sempre
ganham novas versões. O doloroso desafio é aceitar os fracassos, sem esquecer
que eles nos constituem. Suportar os dissabores nos faz mais humildes. A
humildade, a base das virtudes, é brincar como a menina que desejava ser
rainha, pois somos menos que nossos sonhos.
Por
sua vez, a raiz principal dos sonhos ambiciosos é a vaidade. Foi o que Bertrand
Russell escreveu sobre o pesadelo dos matemáticos, quando os números falaram. O
primeiro número disse, orgulhoso: eu sou ímpar; já outro falou que era um número
primo. E o mais bobo desprezava todos os demais números, pois ele era o número
perfeito. Os números humanizados deliram soberbos como todos nós.
Mas
podemos imaginar que existem os números solidários. A solidariedade é gerada
pela compaixão, pela capacidade de ver mais além de si. É a melhor resposta a
uma sociedade onde crescem as competições desenfreadas. São, entre tantos, os
anônimos doadores de sangue, os que dão o seu próprio sangue ao próximo. Sempre
é reconfortante aprender dos que conseguem partilhar com os demais.
São
os que não empobreceram cuidando somente de seu jardim. São momentos em que a
condição humana transcende na graça. São luzes fraternas que aquecem e aliviam
o peso da existência. É quando a luz resplandece nas trevas e o coração se
transforma em poeta. É quando, finalmente, somos mais do que sonhamos.
*PSICANALISTA
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