segunda-feira, 17 de setembro de 2012



17 de setembro de 2012 | N° 17195
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Estarei a sonhar?

Em duas ocasiões recentes externei uma cogitação que tanto me impacientava que a ela retorno. Relembrando que com a paz seguida aos seis anos de guerra, iniciada em 1939 e finda em 1945, era corrente a ideia, esperança ou convicção de que a humanidade não resistiria a novo conflito das proporções do recém-encerrado; depois de tantos horrores e perdas irreparáveis, como pelos formidáveis avanços na arte de matar e destruir; outro não fora o propósito dos que travejavam o edifício da ONU; no entanto, embora não houvesse irrompido nova conflagração universal, seguiram-se sucessivos surtos belicosos, mais ou menos extensos e duradouros que, somados, corresponderiam a um conflito terrível.

Exemplo dessa diátese sinistra é a que vem ocorrendo na Síria. De feroz guerra civil converteu-se em caso internacional que levou a ONU a enviar comissão investigatória dos fatos, e que voltou como saíra, sem acesso a coisa alguma, a despeito de presidida por individualidade de alto conceito internacional. Desse modo, a impotência da ONU ficou selada, uma vez que dois países, Rússia e China, desaprovaram outras medidas que levassem à cessação da guerra exasperada. E a carnificina prossegue em violência crescente.

O fato me fez lembrar outro, quando Mussolini invadiu a Abissínia e a incorporou ao domínio fascista, a despeito de inócuos protestos da Sociedade das Nações, esta começou a morrer, para desaparecer sem se saber quando; ficou insepulta. Temo que coisa semelhante possa ocorrer com a ONU, embora criada sob as mais auspiciosas intenções.

Mudando de assunto, tiro da sombra um fato já antigo e em tudo e por tudo diferente do atual, menos em algum traço; ocorreu depois da eleição do presidente Jânio Quadros e antes de sua posse.

A confiança na mudança era tanta e tamanha, que se formara a certeza de que se processaria real mudança na vida do país, antes da posse já se notavam espontâneas mudanças; agora, na minha percepção, antes do termo do processo mensalão, está se operando fenômeno semelhante ao dos dias de dezembro de 1960 e janeiro de 61; a impressão que se tem é de uma rajada de ar fresco a varrer insuportável ambiente mefítico.

Não faltava quem proclamasse que o mensalão nunca existira, assertiva repetida ao universo até pelas colunas do New York Times, mesmo depois de iniciado o julgamento de dezenas de denunciados pelo procurador-geral da República; agora, porém, poucos se mantêm nessa posição.

Já se disse que, do fundo das maiores aberrações, pode emergir a chama capaz de expurgar o pústula. Até onde sei, o mensalão foi a mais elaborada conjura destinada ao domínio do aparelho governamental a partir do Congresso, não faltando nem o braço bancário e nem foi gratuita a condenação de diretor do Banco do Brasil; o mesmo ocorreu com a lavagem de dinheiro, em fartas quantias, que não dão em árvore.

Mercê desses ingredientes espantosos se vão juntando dados propícios à reações saneadoras. Ou estarei a sonhar?

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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