11
de setembro de 2012 | N° 17189
DAVID
COIMBRA
Anos dourados
O
passado sempre é mais feliz. “Parece dezembro de um ano dourado”, suspira
Maria, aquela personagem do Chico, ao olhar para a foto em que dança sorridente
com seu antigo amor, a quem nunca mais beijará. Velhos dezembros são de fato
dezembros dourados.
Aliás,
a propósito de Chico e de tempos idos, olhando para ambos, o Chico e os tempos,
tenho a impressão de que a Música Popular Brasileira nunca mais forjou
compositores e cantores como os feitos nos anos 70 e arredores, o Chico, o
Caetano, o Paulinho da Viola, o Gil, o Belchior, o Milton, o João Bosco, o Rei,
e mais os que vinham de trás, se somando ao ataque, como Tom e Vinícius.
Aconteceu
algo do meio dos anos 80 para cá, uma ruptura intelectual, um desalento
criativo, sei lá.
Meados
dos anos 80, sim, senhor. Foi quando o Brasil mudou. Depois dos anos 80, a política
deixou de ser ideológica e as crianças de segunda infância deixaram de ser
infantis. Hoje, crianças com mais de oito anos e políticos com menos de 80 são
maliciosos. E, não raro, perigosos.
Nos
anos 80, acabaram-se também, e desastradamente, os pontas. Lembro do Jô Soares às
vésperas da Copa de 82 bradando em seu programa humorístico:
– Bota
ponta, Telê!
O único
ponta da Seleção era o Éder, que havia se consagrado no Grêmio e que não era
ponta-ponta, era um meia-ponta. O Éder não ia à linha de fundo, não driblava em
velocidade, como um Edu, do Santos, um Nei, do Palmeiras, um Lula, do Inter, ou
até como o seu antecessor no Grêmio, o pequeno e habilidoso argentino Ortiz. Não.
O Éder era do lançamento de 40 metros e do chute violento e certeiro à longa
distância. Corria com as pernas em xis e, quando batia na bola, batia com
furiosa destreza.
Foi
ali que o ponta acabou. Com o Éder. Renato, que era grande, que era craque,
saiu da ponta e foi para o meio, e o Cafuringa, que era pontíssimo, um ponta tão
ponta que se recusava a entrar na área, pois o Cafuringa tornou-se um folclórico,
quase uma aberração, as pessoas olhavam para ele com condescendência, sorriam,
balançavam a cabeça e faziam:
– Tsc,
tsc. Um ponta.
Mas
eu ainda acredito no ponta, e minha crença se renova ao ver um Wellington Nem
jogando como jogou domingo, no Beira-Rio. Wellington Nem não é atacante; é ponta.
De ponta, enfiou a bola goela adentro do Nei até cavar-lhe a expulsão. De
ponta, tonteou meia defesa do Inter, até rolar a bola para Fred marcar o gol da
vitória. De ponta, mostrou que a pátina dourada do passado às vezes não é ilusão;
é realidade. Ou pode voltar a ser.
O
mais perigoso
O
maior ponta de todos os tempos do futebol mundial foi um ponta-direita. Garrincha.
Mas os pontas mais pontas, mais agudos, mais desconcertantes, eram os pontas-esquerdas.
Natural – o canhoto leva a vantagem de conduzir a bola por um lado que não é o
de hábito no jogo.
O
marcador, parado na frente dele, olha e seu cérebro registra que há algo
estranho naquele posicionamento. Além disso, os canhotos, por algum motivo, são
mais agressivos. Pense num Rivellino, num Gérson, pense nos pontas canhotos que
citei acima. Eles são mais surpreendentes do que os destros. Os cientistas
ainda vão descobrir que há algo de psicológico ou de neurológico nisso.
Mas,
por ironia, o ponta-esquerda mais insinuante que vi em campo era um ponta-esquerda
destro. Joãozinho, do Cruzeiro. Nos anos 70, muitas vezes ele derrotou sozinho
aquele supertime do Inter, o maior time que o Inter já montou em sua história
centenária.
Bom.
Tempos depois, o Joãozinho acabou contratado por sua vítima. Foi jogar no Beira-Rio
já em fim de carreira. Aí o Escurinho conta que o via ziguezaguear entre cabos
de vassoura fincados no campo de treino, e que ele fazia o exercício com tal
velocidade, com tal agilidade, que o Escurinho suspirava:
– Era
por isso que ele fazia aquelas coisas com a gente...
Wellington
Nem de domingo passado foi o Joãozinho dos anos 70, o bom tempo dos bons pontas.
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