domingo, 30 de setembro de 2012


DANUZA LEÃO

O clandestino

Fico imaginando o tamanho da solidão de um homem no meio do oceano, sem ter noção de onde está

HÁ ALGUM tempo, uns dois meses, talvez, li uma notícia que me paralisou. Um homem de Camarões, país da África, conseguiu entrar num navio como clandestino, sem nem saber para qual destino.

Fiquei pensando nesse homem, que devia ter uma vida tão sem esperança, tão sem perspectiva, que decidiu se arriscar a qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo, à procura de um futuro. Ele não escolheu para onde queria ir, desde que pudesse deixar para trás tudo o que tinha sido sua vida até aquele momento; devia ter suas razões. Mas esse é apenas o começo da história.

Depois de sete dias de viagem, e já a dez quilômetros da costa do Brasil, a tripulação desse navio, de bandeira de Malta, descobriu o camaronês, de 28 anos. Como punição, ele foi jogado ao mar, com uma pequena balsa, e ficou à deriva durante 12 horas, quando foi resgatado por um navio chileno que passava.

Segundo o noticiário da época, ele seria deportado, a tripulação do navio que o jogou ao mar iria prestar depoimento etc. etc., mas o tempo passou e até hoje, quando abro o jornal, procuro uma notícia que me esclareça a continuação dessa história dramática que não consigo esquecer, mas nunca soube como terminou.

Sabe-se que o ser humano é capaz das piores coisas.

Mas nesse caso não foi um único ser humano; foi um grupo de seres humanos, todos unidos, todos de acordo em cometer esse ato de barbárie. Jogar em alto-mar um homem porque ele embarcou no navio sem documentos, sem ter comprado uma passagem, enfim, ilegalmente -o que, imagino, deve ser contra muitas leis-, é contra uma lei muito maior, que é a lei humanitária; não poderiam ter esperado chegar a um porto e entregá-lo às autoridades?

O que fizeram com ele foi pior do que um assassinato.

Fico imaginando o tamanho da solidão -da solidão e do medo- de um homem no meio do oceano, sem ter noção de onde está, sabendo que só um milagre poderá salvá-lo (isso se antes do milagre ele não morrer de sede, de fome, ou mesmo afogado). Nessas 12 horas, quais terão sido seus pensamentos?

Terá lembrado da infância, da família? Terá se arrependido de ter largado tudo em busca de uma vida melhor? E um pensamento banal me atormenta: seria noite ou dia, quando ele foi jogado ao mar? E sua agonia, quando viu lá longe o navio chileno que o resgatou, pensando que podia não ser visto -e podia mesmo; não, não dá nem para imaginar.

Existem crimes bárbaros, por ciúmes, raiva, vingança, que por piores que sejam, com algum esforço, dá para entender; não justificar, mas entender. Mas jogar um homem no meio do oceano porque ele não tinha no bolso uma passagem é fora de qualquer compreensão.

Mas ele foi salvo, e qualquer coisa que lhe tenha acontecido -a deportação, a prisão-, nada pode ter sido pior do que as horas que passou no mar, e penso que depois disso ele não terá medo de mais nada.

Só dos homens, e do que eles são capazes.

danuza.leao@uol.com.br

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