DANUZA LEÃO
O clandestino
Fico imaginando o tamanho da
solidão de um homem no meio do oceano, sem ter noção de onde está
HÁ ALGUM tempo, uns dois meses,
talvez, li uma notícia que me paralisou. Um homem de Camarões, país da África,
conseguiu entrar num navio como clandestino, sem nem saber para qual destino.
Fiquei pensando nesse homem, que
devia ter uma vida tão sem esperança, tão sem perspectiva, que decidiu se
arriscar a qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo, à procura de um futuro.
Ele não escolheu para onde queria ir, desde que pudesse deixar para trás tudo o
que tinha sido sua vida até aquele momento; devia ter suas razões. Mas esse é
apenas o começo da história.
Depois de sete dias de viagem, e
já a dez quilômetros da costa do Brasil, a tripulação desse navio, de bandeira
de Malta, descobriu o camaronês, de 28 anos. Como punição, ele foi jogado ao
mar, com uma pequena balsa, e ficou à deriva durante 12 horas, quando foi
resgatado por um navio chileno que passava.
Segundo o noticiário da época,
ele seria deportado, a tripulação do navio que o jogou ao mar iria prestar
depoimento etc. etc., mas o tempo passou e até hoje, quando abro o jornal,
procuro uma notícia que me esclareça a continuação dessa história dramática que
não consigo esquecer, mas nunca soube como terminou.
Sabe-se que o ser humano é capaz
das piores coisas.
Mas nesse caso não foi um único
ser humano; foi um grupo de seres humanos, todos unidos, todos de acordo em
cometer esse ato de barbárie. Jogar em alto-mar um homem porque ele embarcou no
navio sem documentos, sem ter comprado uma passagem, enfim, ilegalmente -o que,
imagino, deve ser contra muitas leis-, é contra uma lei muito maior, que é a
lei humanitária; não poderiam ter esperado chegar a um porto e entregá-lo às
autoridades?
O que fizeram com ele foi pior do
que um assassinato.
Fico imaginando o tamanho da solidão
-da solidão e do medo- de um homem no meio do oceano, sem ter noção de onde
está, sabendo que só um milagre poderá salvá-lo (isso se antes do milagre ele
não morrer de sede, de fome, ou mesmo afogado). Nessas 12 horas, quais terão
sido seus pensamentos?
Terá lembrado da infância, da
família? Terá se arrependido de ter largado tudo em busca de uma vida melhor? E
um pensamento banal me atormenta: seria noite ou dia, quando ele foi jogado ao
mar? E sua agonia, quando viu lá longe o navio chileno que o resgatou, pensando
que podia não ser visto -e podia mesmo; não, não dá nem para imaginar.
Existem crimes bárbaros, por
ciúmes, raiva, vingança, que por piores que sejam, com algum esforço, dá para
entender; não justificar, mas entender. Mas jogar um homem no meio do oceano
porque ele não tinha no bolso uma passagem é fora de qualquer compreensão.
Mas ele foi salvo, e qualquer
coisa que lhe tenha acontecido -a deportação, a prisão-, nada pode ter sido
pior do que as horas que passou no mar, e penso que depois disso ele não terá
medo de mais nada.
Só dos homens, e do que eles são
capazes.
danuza.leao@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário