sábado, 22 de setembro de 2012



22 de setembro de 2012 | N° 17200
ARTIGOS - Franklin Cunha*

A educação e a técnica do quero-quero

Como criou-se uma unanimidade midiática nacional de que a prioridade de todas as ações e soluções para o país é a educação da massa ignara, é oportuno que sejam estabelecidas algumas visões alternativas da questão.

Ao se analisarem as variedades das práticas culturais entre os diversos grupos sociais, a burguesia, as camadas médias e os trabalhadores de baixos salários, todos estão marcados pelas trajetórias socioeconômicas de cada um desses estratos populacionais. Ao se anunciar a prioridade da educação para quem suposta ou realmente não a possui, questiona-se se a educação das classes superiores é a que será ministrada às classes inferiores.

A educação, a cultura em geral, os estilos de vida são resultantes de imbricadas relações de força, poderosamente alicerçadas nas instituições criadoras e transmissoras do corpo ideológico da sociedade capitalista. E essas instituições são a família, a escola e os meios de comunicação.

Mas, como acentua Pierre Bourdieu, numa sociedade injustamente hierarquizada como a nossa, não são todas as famílias que possuem a bagagem letrada e culta para se apropriar dos ensinamentos escolares e de interpretar criticamente as mensagens dos meios ou os meios das mensagens.

Quem tem origem social superior certamente terá mais facilidades, pois já adquiriu em casa parte desses ensinamentos. Neste sentido, o sistema de ensino que trata igualmente a todos, o que só alguns possuem pela familiaridade com a cultura, não leva em consideração as diferenças básicas determinadas pelas desigualdades sociais e econômicas.

Ainda para Bourdieu, o sistema escolar, em vez de oferecer o democrático acesso a um panorama cultural para todos, reforça as distinções e as tradições culturais de seu público e assim delimita a plena e diversificada riqueza cultural, surrupiando grande parte dela das famílias menos escolarizadas, pois cobra delas o que elas não têm, isto é, um conhecimento cultural anterior, necessário para rea- lizar o processo de transmissão de uma cultura culta.

E isto é o que Bourdieu chama de “violência simbólica”, a qual impõe a legitimidade de uma única forma de cultura, desprezando e não transmitindo os hábitos culturais dos segmentos populares. Resulta que o sistema de ensino funciona como estrutura de aquisição e distribuição do capital cultural, sacramentando e perpetuando o sistema socioeconômico vigente e ensinando que suas injustas estruturas são naturais e inevitáveis.

Assim posta nossa reflexão, as exigências escolares como a sensibilidade pelas letras, pela estética visual, musical, pelas interpretações da história, pelo vestuário, pelos gostos da moda em geral, privilégios de um restrito grupo social, tendem a intensificar as vantagens daqueles mais bem aquinhoados, material e culturalmente.

Por essas e por outras é que designamos a intensa e universal campanha sobre a prioridade absoluta e única da educação para colocar nosso país no Primeiro Mundo, como a técnica do quero-quero, que põe um ovo num sítio e canta noutro. Dissimula-se assim a necessidade de primeiramente se eliminar a fome e a miséria causadas por uma concentração criminosa da riqueza do país que embora tenha um PIB situado entre os seis maiores do planeta sofre de um IDH situado na 87ª posição.

Nenhum comentário: