CLÓVIS
ROSSI
Momento "Justo Veríssimo"
Fala
de Romney sobre os 47% não é gafe. É um nhino ao mais absoluto e cruel
individualismo
Mitt
Romney viveu o seu "momento Justo Veríssimo", no vídeo em que diz se
lixar para os 47% dos norte-americanos que, segundo ele, não pagam Imposto de
Renda e vivem dependurados nas tetas já não tão gordas do governo.
Justo
Veríssimo é um personagem de Chico Anysio, claramente calcado em algum político
ou numa mistura de políticos vários, cujo bordão era "quero que o povo se
exploda".
Compare
agora o que disse Romney e veja se não é uma variante desse bordão: "Minha
tarefa é não me preocupar com essa gente".
Justo
Veríssimo ficava bem como deboche, componente essencial do humorismo. Na vida
real, no entanto, revela toda a alma de um candidato e de seu projeto de país.
Primeiro,
Romney disse apenas meia verdade ao calcular em 47% os norte-americanos que não
pagam o Imposto de Renda federal. A parte verdadeira: de fato, 46,7% não
pagaram no ano passado.
Mas é
falso, ao contrário do que disse o candidato republicano, que se trata de gente
que gosta de depender do governo.
Desses
46,7%, a maioria paga, sim, outros impostos, inclusive os da seguridade social.
Sobram só 18,1% que não pagam nem Imposto de Renda nem taxas sobre os salários,
mas pagam o IVA e diferentes taxas estaduais.
Além
disso, 10,3% desses 18,1% são aposentados, que em tese pagaram seus impostos
quando em atividade, ou seja, contribuíram devidamente para que o governo lhes
compense agora com diferentes serviços. Não são, pois, dependentes de esmolas
oficiais.
Sobram
apenas 6,9% que de fato não contribuem, mas porque sua renda não atinge o mínimo
a partir do qual teriam que pagar.
Ah,
falta computar 400 milionários (renda anual de ao menos US$ 77 milhões ou R$ 156
milhões) que, mesmo assim, nada pagaram (dados de 2009).
O
problema da fala de Romney é menos o de ter sido leviano sobre os 47% e mais o
que ela revela de insensibilidade social.
Ou,
como prefere Michael Cohen, pesquisador da The Century Foundation, em artigo
para o "Guardian": "Pior que a crueza dos argumentos de Romney é
sua notável carência de empatia social. Os EUA fornecem assistência à saúde, à alimentação,
à habitação e o que mais se quiser a seus cidadãos não como meio de capturar
seus votos, mas porque é fundamental para seu pacto social básico".
Reforça
Antonio Caño, correspondente de "El País" em Washington: Romney
prefere cultivar "um partido que identifica o novo conservadorismo com um
individualismo cruel que não deixa nenhum espaço para a solidariedade ou o
trabalho coletivo".
É bom
ressaltar que a solidariedade, implícita ou explícita no Estado de Bem-Estar
Social, é muito menos acentuada nos Estados Unidos do que na Europa.
Nesta,
pelo menos até a eclosão da crise que ainda se arrasta, as prestações sociais não
eram vistas como dependência de indivíduos em relação ao governo, mas como
obrigação do governo para com os cidadãos, obrigação tanto maior quanto maiores
as carências destes.
É,
pois, o inverso do "quero que se explodam".
crossi@uol.com.br
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