segunda-feira, 3 de setembro de 2012



03 de setembro de 2012 | N° 17181
L. F. VERISSIMO

Ozymandias

No filme do Woody Allen Para Roma, Com Amor, dois personagens dizem estar sofrendo de Melancolia Ozymandias. O termo foi inventado pelo próprio Woody Allen para seu personagem num dos seus filmes mais subestimados, Stardust Memories, sua versão do 8 e Meio do Fellini.

A referência é a um famoso poema de Percy Shelley, escrito no século 19, que fala da descoberta de uma estátua colossal com a seguinte inscrição na base: “Meu nome é Ozymandias, Rei dos Reis. Contemplem a minha obra, ó poderosos, e desesperem”. Mas em torno da estátua não há vestígio de obra alguma, há só um deserto até o horizonte.

O Ozymandias de Shelley adverte contra a vaidade e a soberba e lembra que tudo no mundo é transitório, incluindo o poder e a glória. A melancolia que leva seu nome vem da constatação da precariedade da vida, do amor e das nossas obras, que mesmo não sendo ozymândicas mereceriam – pelo menos na nossa opinião – resistir aos séculos. Tudo passa, nos diz o poema. No fim, de um jeito ou de outro, sempre vence o deserto.

Com sua preocupação constante com a morte, o Woody Allen não deve estar brincando quando se atribui a tal melancolia. Sua obra talvez dure mais do que a de Ozymandias, de cujo império nunca mais de ouviu falar – apesar da especulação de que “Ozymandias” seria o nome grego do faraó Ramsés II –, principalmente agora que a estocagem digitalizada de filmes e fitas os tornou praticamente eternos.

Mas Allen não deve encontrar consolo na ideia de que daqui a mil anos sua obra ainda estará sendo vista. Ele preferiria estar lá para explicá-la. Ele mesmo já disse que não teme a própria morte, desde que não esteja presente na ocasião.

Mas é curiosa a evocação de Ozymandias no filme. Roma é o melhor exemplo mundial de uma civilização vivendo nas ruínas das muitas civilizações que a precederam. De certa maneira, Roma é um antídoto para a melancolia Ozymandias. Nela, tudo que já passou continua lá, como paisagem, e a vida que continua entre as ruínas é bela e ensolarada – nos filmes, ao menos – e não dá o menor sinal de ceder ao deserto.

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