05
de fevereiro de 2013 | N° 17334
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Não desistam de
viver
A
vontade é de abandonar o trabalho, não acordar mais, definhar abraçado ao
travesseiro, encolher-se no canto e não erguer nem mais o braço para atender a
porta e pedir ajuda.
Nada
tem mais sentido, e ordem. A vontade é de não ter mais vontade. Os filhos
morreram, os irmãos morreram, os colegas morreram. Eu entendo.
Entendo
que vocês levantarão, sobressaltados, às duas horas de todas as madrugadas de
suas existências, que haverá sempre uma sirene abrindo as ruas do sangue, que
será insuportável raciocinar diante de um alarme dos bombeiros ou de ambulância
lá fora.
Entendo
que a casa está vazia, como a cidade está vazia, como o corpo está vazio. Mas
não podemos chorar a morte dos familiares se não valorizarmos nossa vida.
Entendo
que não será mais a vida idealizada, não será mais a vida planejada, não será
mais a vida que merecíamos.
Mas
ainda que seja uma vida desesperada, uma vida atormentada, uma vida
traumatizada, ainda é a nossa vida. Ainda é a vida que ficou. Ainda a vida que
temos que cuidar.
Ainda
é a vida que temos que salvar. Afinal, nossa vida era tudo o que a gente
pretendia assegurar para eles que se foram na boate Kiss.
Gostaríamos
que os duzentos e trinta e sete jovens estivessem com a gente, então não
podemos nos jogar fora. Não podemos esnobar a chance de estar aqui.
Continuar
a viver é preservá-los. Continuar a viver é sabedoria. Continuar a viver é fé. Continuar
a viver é humildade.
Continuar
a viver é respeito: é não ser mais vítima do que as vítimas, por mais que doa
doer o dia inteiro.
É
imperioso cortar o cordão umbilical da Rua dos Andradas, abolir as hipóteses:
se eu tivesse proibido meu filho de sair, se eu tivesse viajado com a família,
se eu tivesse telefonado antes, se eu tivesse sido mais rigoroso...
O
“se” não devolve o que perdemos, nem diminui o sofrimento. A culpa não deve
abafar a justiça, o medo não deve sufocar a esperança.
Não
há como controlar o destino. A tragédia não aconteceu porque vocês falharam.
Vocês, familiares, não teriam como evitá-la. O que sobra é amar a si para explicar
o que é amor, para explicar o que é saudade.
O
que nos resta é a responsabilidade de lembrá-los com garra. De lavar as
escadarias das igrejas com flores. De ir adiante para que esse incêndio
criminoso nunca mais se repita em nenhum lugar do mundo deste Brasil.
Que
nossos filhos de Santa Maria jamais morram para a História.
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