CLÓVIS
ROSSI
Enviado especial ao
passado?
Crônica
de momentos comuns em meio a um evento extraordinário na história do Vaticano
ROMA
- Pablo Ordaz, o correspondente de "El País" em Roma, recordou tempos
atrás conversa entre um cardeal e um jornalista, que queria saber sobre um dado
conflito na igreja. O purpurado começou respondendo assim: "Já tivemos
algo parecido no século 13".
A
renúncia do papa me remeteu justamente ao século 13, ou mais exatamente a 1294,
quando Celestino 5º renunciou, no que a maioria dos historiadores considera o
único ato comparável ao de Bento 16, por ter sido um abandono espontâneo.
Na
via de Porta Angelica, diante da entrada para o inacessível Vaticano, a
ruazinha estreita convida, diante do noticiário sobre a "guerra
civil" na igreja, a pensar em conspirações medievais, punhais ao alto,
traições, venenos.
Mas
é só a cabeça que voa ao passado. Os olhos veem cenas absolutamente triviais. É
uma senhora que sai levando sacolas de supermercado. É um jovem padre que cruza
a rua, saindo do Vaticano, em um Audi, moderníssimo, ainda que pequeno. Mas
Audi é Audi, não é exatamente o burrico que usava Pedro, o primeiro papa.
Nem
os apenas dois seguranças usam os coloridos trajes da Guarda Suíça, o digamos
Exército do Vaticano. Vestem negro e passariam por cidadãos comuns, agasalhados
para o inverno romano, suave ontem.
Por
falar em Exército, é inescapável, ao ver a tremenda mobilização midiática em
torno do Vaticano, voltar à pergunta de Stálin quando lhe disseram que a igreja
se oporia à ocupação dos católicos países bálticos: "Quantos Exércitos tem
o papa?".
É, o
papa não tem (mais) Exércitos, mas ajudou a derrubar o comunismo, graças ao
fato de que o Vaticano "ainda exerce poder cultural enorme", como
escreveu ontem neste mesmo espaço a notável analista que é Julia Sweig.
Será
mesmo, Julia? Às vezes, meu ceticismo profissional me faz duvidar. Caminho pelo
entorno da praça São Pedro, pensando em que, se Jesus expulsou os vendilhões do
templo, como conta a Bíblia, eles agora estão se vingando. O que mais cerca o
Vaticano não são Exércitos adversários, mas lojinhas de lembranças.
Nelas,
para cada imagem de Bento 16 que se vende, vendem-se dcrossi@uol.com.br de seu
antecessor, João Paulo 2º, contam as balconistas da Galleria Aurora, a dois
passos da praça. Dizem também que, nos últimos dias, não vendem quase nada, de
um ou do outro. "Talvez estejam esperando o sucessor", especulam.
Salvo
entre o público que faz fila para entrar na basílica, para ver a última
celebração do papa, ninguém entre os habitantes de sempre do entorno da
imponente catedral acredita muito em apenas cansaço, razão alegada para a
renúncia.
Mais
razoável é a versão de Marco Tosatti para "La Stampa" de ontem:
"A tendência [do papa] a somatizar os problemas e dificuldades da
igreja". Cansou.
Aí,
sim, volta-se a séculos passados, de intrigas e manobras palacianas. Mas vem o
padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, e avisa que Bento 16, no dia
28, exatamente às 17h, pega um helicóptero e vai-se embora para sempre. Bem
século 21, ainda que sem graça.
crossi@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário