24
de fevereiro de 2013 | N° 17353
VERISSIMO
Quarteto
Senhoras
e senhores, obrigado. Antes de mais nada, quero pedir desculpas pelo atraso.
Tivemos um pequeno problema nos bastidores, um desentendimento, e o resultado é
o que veem aqui no palco, um quarteto de cordas reduzido a dois.
Nosso
violoncelista não concordou com a mudança do programa de hoje, parte do meu
projeto de popularização da música de câmara, com a substituição do quarteto
número 8 em si menor, Opus 59 de Beethoven, por um arranjo para cordas de Ai,
se Eu te Pego, e se recusou a entrar no palco.
O
mesmo aconteceu com nosso segundo violino, que também não concordou com a
mudança e está neste momento a caminho de um hospital. Respeito
democraticamente o direito de todos de discordarem de mim, apesar de ser o
líder do grupo, mas não admito que insultem a minha mãe. No fundo, o que se
discute é a adaptação da música erudita aos tempos modernos, já que o público
para os clássicos tem diminuído assustadoramente e é preciso reagir.
Os
acontecimentos desta noite são apenas o, digamos assim, ápice – a erupção do
furúnculo, se me permitem uma imagem nojenta – de uma situação que se prolonga
desde que eu expus ao grupo meu plano para a renovação do nosso repertório e
das nossas apresentações.
Já
tinha havido resistência à minha ideia de entrarmos os quatro no palco de
bicicleta, com máscaras de macacos. Ninguém se manifestou então, mas sei que
houve descontentamento e que começou uma campanha para me desmoralizar,
inclusive me chamando de louco pelas costas. Houve até o acidente do violoncelo
que caiu na minha cabeça, que o violoncelista jurou ter sido mesmo um acidente,
o que não explica o fato de ele estar segurando seu instrumento como um tacape.
Também
foi mal recebido meu convite para a Ivete Sangalo dar uma canja conosco,
tocando o instrumento que quisesse no quarteto número 14 em sol maior de
Mozart, desde que mostrasse as pernas. Mas não tínhamos tido um motim até esta
noite.
De
certa forma, foi bom que isso acontecesse. Pelo menos, as coisas agora estão às
claras, as posições estão definidas e estamos livres de mesquinharias como a de
espalharem o boato de que eu toco com playback enquanto os outros três tocam ao
vivo, e de minha suposta opção sexual pelo bestialismo, com preferência por
galinhas.
Também
acabam as frases desaforadas e as ameaças escritas nas minhas partituras. Quero
agradecer de público o nosso violista – palmas para ele, por favor – que
permaneceu fiel e está aqui no palco comigo. Sua lealdade se deve ao seu bom
caráter e ao fato de que, com a ausência dos outros, a renda do concerto desta
noite será dividida por dois e não por quatro, como acontece normalmente, e ele
estar comprando uma lavadora.
Enfim,
senhoras e senhores, obrigado pela sua paciência. As outras modificações no
programa são menores. O Dvorak será tocado com ritmo de axé e reservamos uma
surpresa para o final, quando receberemos no palco Ernani, o cachorro cantor,
que se juntará a nós no Vivaldi. E vocês devem ter notado que tanto eu quanto o
violista estamos nus, o que acrescenta um toque naturalista à nossa
apresentação, em contraste com o costumeiro formalismo dos quartetos de cordas,
que ninguém aguenta mais.
Então,
vamos lá. Ai, se Eu te Pego.
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