26
de fevereiro de 2013 | N° 17355
DAVID
COIMBRA
O homem que não ri
Dida
não ria. Lembro-me dele na Seleção Brasileira. O ambiente da Seleção em geral é
uma festa. Todos ali estão felizes com a convocação. Naquele momento, encontram-se
juntos os profissionais reconhecidos como os melhores do país em sua atividade.
Então, essa reunião de talentos é uma alegria, é o rejúbilo da consagração.
Mas
Dida nunca dava mostras de estar contente, mesmo sendo titular, mesmo sendo
reconhecido como um dos melhores do mundo. Passava o dia sério, quase não
falava. Muitos jornalistas o julgavam antipático. Eu, não. Sempre respeitei sua
reserva como um traço de personalidade. Alguns são mais calados, pronto. Isso não
significa que sejam hostis.
Uma
vez, já contei isso, mas vou contar de novo, porque cabe o exemplo, pois uma
vez fui fazer uma matéria com o Olívio Dutra, quando ele era prefeito de Porto
Alegre. Eu o acompanharia o dia inteiro. Olívio morava, e mora ainda, na Assis
Brasil procelosa, num prédio modesto, moradia de trabalhadores, bancários como
ele é, distante em tudo dos bairros elegantes da Capital. Ia todos os dias para
a prefeitura de ônibus (hoje ele pedala uma bicicleta). O prefeito pingente de
uma barra de metal do ônibus, aí estava um excelente mote para a reportagem.
De
manhã cedinho, saí com o prefeito de seu prédio, entrei com ele no ônibus,
seguimos impávidos até a Praça XV e saltamos no fim da linha. Enquanto ele
caminhava, célere, em direção à prefeitura, o fotógrafo veio falar comigo:
– David,
pede para ele sorrir, para sair bem na foto.
Fui
lá falar com o Olívio, informei-lhe da solicitação do fotógrafo. Então, o
prefeito olhou para mim e respondeu detrás do seu bigode, não sem candura:
– Mas
eu não estou com vontade de sorrir...
Cara,
adorei aquilo. Ali estava um homem autêntico. Ele sorria quando sentia vontade
de sorrir e não por concessões à imagem exterior. Também não vejo mal em quem é
de mais sorrisos, até prefiro, mas, se o homem não quer sorrir, que não sorria.
Que não faça nada forçado.
Dida,
suponho, não sorria por ser de fato uma pessoa grave. Talvez isso até o
ajudasse na profissão de goleiro, sobretudo na hora de defender pênaltis, uma
de suas especialidades. Imagino o atacante prestes a bater na bola, olhando
para aquele gigante compenetrado, cenho fechado, até um pouco ameaçador. No
momento do chute, o batedor tremia. E Dida fazia a defesa.
Cheguei
a imaginar que a seriedade de Dida se devia às agruras do ofício. Porque o
goleiro é o antifutebol, é o homem que luta para que não aconteça o que todos
querem que aconteça: o gol. O goleiro, em essência, é a nêmesis da sua própria
profissão. Então, a sisudez de Dida poderia ser filosófica. Ele não se iludia,
por isso sofria em silêncio.
Tudo
elucubração minha, claro. Mas o fato é que eu admirava a figura enigmática do
Dida, por isso asseguro que não estou, agora, me posicionando atrás de uma das
trincheiras erguidas ultimamente no Estado: a de Dida ou a de Marcelo Grohe. Nada
disso, não estou alistado. Até porque esse confronto só existe na cabeça dos
eventuais correligionários de um e outro.
E, é
evidente, por causa do conjunto de opiniões do Sant’Ana, que é visceralmente
contra a titularidade do Grohe, tanto que indicou Dida ao clube. Reafirmo, pois:
não estou contra o Dida, nem contra o Sant’Ana. No entanto, a atuação de Dida
no Gre-Nal me faz pensar se ele não estaria mal preparado.
Era
um grande goleiro, nos tempos de Seleção, mas hoje passa insegurança. Errou em
quatro escanteios, num deles saiu o gol do Inter, noutro a bola se chocou com o
travessão. Não se portou como o velho Dida. Talvez precise de algum trabalho
especial para se recuperar. E ele é capaz de conseguir tal recuperação. Um
homem com sua seriedade é capaz de muito.
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