sábado, 16 de fevereiro de 2013



16 de fevereiro de 2013 | N° 17345
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

O que mais tememos

Pela dificuldade que os médicos têm de dar uma notícia ruim se pode presumir o quanto é penoso recebê-la.

Muitas vezes sentei com pacientes portadores de doenças graves, e fiquei andando em círculos, desesperado na ânsia das palavras mais doces, que fossem capazes de revelar a gravidade da situação sem subtrair a esperança. Mais difícil ainda quando a amea­ça de morte é iminente, e omiti-la, mais que uma mentira piedosa, significaria usurpar do direito que todos temos de administrar nossas próprias vidas.

Não por acaso, a omissão de informações gerou tantos processos indenizatórios nos Estados Unidos, onde os médicos modernos claramente assumiram uma atitude desapiedada, como revide às crescentes demandas judiciais. Parece que a aspereza dos papéis acabou por endurecer os personagens.

Na longa vivência oncológica, aprendi que nessa delicada trilha do relacionamento médico existem muitos desvãos, e que o temor da morte é o maior, mas não é o único.

Quem se dá o tempo de ouvir, descobre que a maioria dos pacientes graves associa a ideia da morte ao medo de morrer sozinho. E isso assusta tanto quanto.

Como muitas vezes quem faz o diagnóstico de câncer não é o especialista que vai tratá-lo, há que se ter muito cuidado porque o encaminhamento implica um interregno, no qual o paciente se despede de quem já aprendera a gostar e parte sozinho na busca de um estranho, que quem sabe como será.

As reações nessa situação balançam entre o exagero do medo e a consciência massacrante da solidão.

A Rose operou uma metástase pulmonar de um tumor de mama, surgida quase oito anos depois da mastectomia. A chance de cura era muito boa, não dispensava a quimioterapia, e quando lhe disse isso, com a voz trêmula, ela perguntou: “Mas, então, tu vais me abandonar?”

Quando tomei o telefone e disse ao oncologista “estou te encaminhando a Rose, uma amiga muito querida, que está sentada aqui na minha frente e precisa de um oncologista e, mimosa como sempre foi, tem que ser uma pessoa doce como tu...”, ela parou de soluçar, e encantada com essa passagem virtual de bastão, aderiu ao revezamento afetivo, e foi embora sorrindo. No vão da porta ainda agradeceu: “Que bom que Deus te deu esses braços bem compridos.”

Afastávamo-nos, mas nos sabíamos onde!

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