quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013



07 de fevereiro de 2013 | N° 17336
LETICIA WIERZCHOWSKI

A história dos caroços

Quando minhas irmãs e eu éramos crianças, o pai fazia questão de que comêssemos frutas. Muitas. Ele tinha o hábito de trazer caixas de fruta para casa, enchendo a geladeira de uvas, pêssegos, mangas e ameixas. Eu sempre gostei de frutas, mas era difícil dar cabo das quantidades que o pai trazia.

No verão, quando a família ia para o Litoral, e o pai passava a semana trabalhando na cidade, ele chegava na praia com o carro cheio de frutas, e a nossa obrigação era comer aquilo até a próxima sexta-feira.

Nunca dávamos conta... Até que o pai criou o subterfúgio de pagar por caroços e sementes. Talvez hoje, neste mundo asséptico onde o politicamente correto tornou tudo meio chato, alguns torçam o nariz para a ideia do pai – mas garanto que, nos anos 1980, foi uma sacada genial.

Naquele verão, caroços e sementes passaram a valer grana. Éramos várias crianças – eu e minhas duas irmãs, mais os dois filhos do meu tio que passavam as férias conosco. O pai chamou-nos e, muito sério, informou a cotação vigente.

Era mais ou menos assim: 20 centavos por caroço de pêssego, 15 centavos por caroço de ameixa. Sementes de uva valiam cinco centavos. A gente deveria comer as frutas durante a semana, guardando os caroços para que o pai nos pagasse proporcionalmente na sexta-feira. Nunca comemos tantas frutas na vida!

Os caroços viraram a moeda oficial daquele verão: um picolé se comprava com três caroços de pêssego, um sorvete de duas bolas necessitava cinco pêssegos, 10 ameixas e um cacho de uvas. E a gente dê-lhe comer. Meu primo economizava caroços para comprar revistinhas, minha irmã torrava tudo em picolés.

Na sexta, o pai chegava e, coitado, antes de se estirar na cadeira da varanda, tinha que sentar à mesa da sala e fazer a contabilidade dos caroços (e os caroços eram guardados em sacos, e ali ficavam fermentando durante dias e dias, no calor do verão).

Contar aquilo era um nojo e uma trabalheira, mas o pai seguia firme. E cada vez trazia mais frutas para casa. Até que um dia, a minha prima resolveu juntar sementes para comprar alguma coisa grande, acho que era uma boneca. Era uma guria obstinada, e naquela semana comeu ameixas dia e noite, até que amanheceu na sexta-feira com febre, vômitos e diarreia.

A mãe ficou fula. Fruta demais soltava o intestino, foi o que ela disse para o pai quando ele chegou naquela tarde com suas ameixas e pêssegos. Diante do estado da sobrinha, o pai capitulou. Recebemos o nosso último pagamento, consternados: acabava-se ali a mina de ouro. Eu sigo adorando frutas, mas, como naquele verão, nunca mais.

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