PASQUALE CIPRO NETO
'Falando de Amor'
Cá entre
nós, a correlação, em segunda pessoa, entre 'Se soubesses' e 'não negavas um
beijinho...' é maravilhosa
O
incansável Wagner Homem (responsável pelo site de Chico Buarque, autor dos
belos "Chico Buarque - Histórias de Canções" e "Toquinho - Histórias
de Canções" e coautor, com Luiz Roberto Oliveira, do não menos belo "Tom
Jobim - Histórias de Canções") me convida para o show de lançamento da
obra relativa ao monumental Tom Jobim (nesta sexta, no Café Paon, em São Paulo).
Já li
um bom pedaço do livro, encantador e repleto de belas histórias e informações a
respeito da tecedura das canções de Tom, das que fez sozinho e das que fez em
parceira (com Vinicius, Chico, Aloysio de Oliveira, Newton Mendonça, entre
outros). Muitas dessas histórias têm relação com o cuidado de Tom e parceiros
com a língua.
Pois
isso tudo me fez aumentar a já enorme e antiga vontade de escrever sobre alguns
dos fatos linguísticos presentes na delicadíssima "Falando de Amor". Vejamos
estes versos, que integram a primeira estrofe da letra: "Se eu pudesse por
um dia / Esse amor, essa alegria / Eu te juro, te daria / Se pudesse esse amor
todo dia / Chega perto, vem sem medo / Chega mais meu coração / Vem ouvir esse
segredo / Escondido num choro canção / Se soubesses como eu gosto / Do teu
cheiro, teu jeito de flor / Não negavas um beijinho / A quem anda perdido de
amor".
O
caro leitor notou a correlação que Tom estabeleceu entre "pudesse" e "daria"
("Se eu pudesse.../...te daria...") e entre "soubesses" e "negavas"
("Se soubesses.../...não negavas...")? Enquanto você pensa e avalia,
lembro o que me disse o Mestre a respeito de algumas das diferenças entre o
nosso português e o de Portugal quando me concedeu a honra de entrevistá-lo, em
1993, para o "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura: "Os
portugueses dizem 'Eu gostava de estar consigo amanhã'; nós dizemos isso de
outro jeito...".
É verdade.
Embora em alguns dos registros do português brasileiro ocorra a forma "gostava"
com o valor de "gostaria" ("Como eu gostava que chovia!",
disse-me certa vez um sitiante, desolado com a falta de chuva), é mais comum
entre nós a forma "gostaria" nesse e em outros casos análogos ("Como
eu gostaria [de] que chovesse!"; "Eu gostaria de estar com você amanhã"),
mas...
Mas
o uso do imperfeito do indicativo com o valor de futuro do pretérito, ou seja,
o uso de "negavas" com o valor de "negarias", por exemplo, é
mais do que comum, tanto na língua oral como nos registros literários, clássicos
ou modernos.
Não
foi por acaso que Tom, leitor contumaz de clássicos e modernos, passeou com
tranquilidade pelas duas correlações. Primeiro, empregou o que é regra no texto
científico, jurídico, filosófico ("Se eu pudesse por um dia / Esse amor,
essa alegria / Eu te juro, te daria..." - por sinal, "daria" rima
com "alegria"); depois, empregou o que é mais comum na oralidade e em
muitos registros literários ("Se soubesses como eu gosto / Do teu cheiro,
teu jeito de flor / Não negavas um beijinho...").
E cá entre nós, caro
leitor, a correlação, em segunda pessoa, entre "Se soubesses" e "não
negavas um beijinho..." é maravilhosa, tão maravilhosa que dói no peito e
na alma. Note a importância do diminutivo "beijinho", cujo caráter
afetivo praticamente impõe que o fecho da correlação se dê com a forma mais
comum na linguagem espontânea, ou seja, com o imperfeito do indicativo ("negavas").
Tenho
particular apreço por estes versos da segunda estrofe: "Quando passas, tão
bonita / Nessa rua banhada de sol / Minha alma segue aflita / E eu me esqueço
até do futebol". O leitor não tem ideia do que significa um par de olhos
verdes a sonhar com esse esquecimento, sobretudo quando mal sabe a divina
criatura que o futebol já foi mais do que esquecido...
E
viva o grande Tom Jobim! É isso.
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