sábado, 9 de fevereiro de 2013



10 de fevereiro de 2013 | N° 17339
CLAUDIA TAJES

Coisas de lá e de cá

A nossa jornada não estará completa até que todas as nossas crianças, desde as ruas de Detroit até às montanhas da Appalachia às ruas pacatas de Newtown, saibam que as protegemos e acarinhamos, e que não permitiremos que lhes façam mal. Trecho do discurso do Obama na sua segunda posse como presidente dos Estados Unidos.

Ah, se o Obama andasse pelo centro de Porto Alegre. É triste ver o bando de indiozinhos que esmola por lá. Sentadas no chão, as mães índias ainda meninas seguram seus bebês no colo, enquanto os outros muitos filhos correm entre as pessoas.

Talvez quem circule rotineiramente pela Rua da Praia e arredores nem note mais, mas, para um visitante eventual, o quadro é chocante. Na segunda-feira, um gurizinho de, no máximo, cinco anos pedia comida ou moedas. Insistente, levou um cascudo de um homem de pasta e cabelo pintado de preto. Como dizia o meu pai: isso tem tudo para dar errado. Como diria o Obama: falta muito para completar a nossa jornada.

Mundo, mundo, vasto mundo. O americano Justin Jedlica, de 32 anos, fez mais de 90 operações plásticas para ficar igual ao Ken, o boneco que namora a Barbie. Nada mais previsível do que encontrar, em um evento patrocinado, a ucraniana Valeria Lukyanova, de 21 anos, que gastou um milhão e meio de dólares para ficar igual à boneca da cintura fina.

Quando alguns já se perguntavam que espécie de bebê o novo par geraria (talvez o Manequinho da Estrela, o boneco que tinha pipi e fazia xixi), Justin dispensou Valeria com a seguinte justificativa: ela é muito artificial. Pior que, pela foto, o Justin de hoje se parece mais com a cantora Rosana, aquela de “Como Uma Deusa”, que com o Ken. Acho que vai precisar de mais cirurgias.

A maravilha de existir tanto autor bom é que, a cada dia, a gente pode encontrar o melhor livro do ano. Neste domingo, o meu é Teoria Geral do Esquecimento, do angolano José Eduardo Agualusa.

Em poucas linhas: na Luanda de 1975, para escapar da guerra civil e do medo que a acompanhou desde sempre, a portuguesa Ludovica ergue uma parede separando o seu apartamento do resto do prédio. E do mundo. Ali fica durante durante 28 anos, apenas com um cachorro chamado Fantasma, livros lidos e relidos, seus poemas e a fome a rondar. Uma frase: “Poupo na comida, na água, no fogo e nos adjetivos”.

Desculpe a pretensão, mas acho que descobri a razão para o péssimo atendimento dos zero-oitocentos e dos quatro-mil-e-etc para os quais o pobre do consumidor é obrigado a ligar a fim de resolver assuntos com companhias diversas. Com grande visão de negócios, essas empresas contratam mulheres com TPM aguda para trabalhar em seus call centers. É a única explicação. E mais: em um lance de gênio, são contratados também homens que sofrem de TPM.

Assim, os dias de fúria, em que a regra é tornar as coisas ainda mais difíceis do que as operadoras de telefonia e as prestadoras de serviço em geral já tornam, são criativamente aproveitados no atendimento ao cliente. E talvez lancem uma luz sobre a capacidade de complicar tudo das/dos atendentes. Se não for isso, o jeito é chamar um exorcista, porque nem o Procon nos salva. Um pequeno exemplo.

“Protocolo meia meia meia mole meia dura, Solange na linha, falo com quem? (...) Pois não, senhora Maria, em que posso ajudá-la? (...) A senhora precisa cancelar a linha de telefone do seu avô, correto? (...) Por qual motivo? (...) Falecimento, entendo. Senhora Maria, eu preciso confirmar alguns dados do seu avô, certo? Nome completo? (...) RG? (...) CPF? (...) Data de nascimento? (...) Peso? (...) Altura? (...) Tipo sanguíneo? (...) Quantidade de relações sexuais por semana? (...) A senhora não sabe? Nesse caso, nós não podemos prosseguir com o seu atendimento, senhora Maria. (...)

Essa exigência é para a sua própria segurança. (...) Ocorre que essa é a regra da nossa empresa no mundo todo, senhora Maria. A solução seria o seu avô ligar pessoalmente para estar fazendo a solicitação de cancelamento... Entendo que ele faleceu, senhora Maria, mas sem isso fica impossível abrir o processo. Posso ajudá-la em mais alguma coisa, senhora Maria? A FDP agradece a sua ligação e lhe deseja um bom dia, senhora Maria.”

Para quem gosta, que este seja um Carnaval de paz. Para quem não gosta, só a paz já está de bom tamanho. 

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