CARLOS
HEITOR CONY
Diário de bordo
RIO
DE JANEIRO - Ontem, o tempo mudou, o navio balançou um pouco, nem pude fumar o
Partagás na varanda. Acordei às 9h, tomei café na suíte e voltei a dormir, até o
meio-dia -acho que nunca fiz isso na vida.
Almoçamos
no restaurante, evitando o self-service, que devia estar uma bagunça, pois
continua chovendo e ventando, as duas piscinas ficaram vazias, os passageiros
sem muito o que fazer a não ser enfrentar a comida que rola sem parar.
Depois
do almoço, fumei um Punch no deque de cima, na parte mais abrigada. E, apesar
do vento e da chuva fininha, consegui ver a passagem pelo Peloponeso, a guerra
de Tucídides e, logo após, a ilha de Ítaca, onde Penélope fiava e confiava em
Ulisses, que retornaria de sua viagem absurda.
Penso
no valor da palavra escrita. Ítaca, Peloponeso, toda a Grécia clássica, nada
seriam se não fossem os poemas e relatos que historicizaram seus heróis, seus
deuses, suas tragédias e seus filósofos.
O
mesmo aconteceu com os judeus, que viveram numa terra de pedras e desertos, mas
deixaram livros que formaram o Velho Testamento, base de toda a cultura
ocidental.
Nas
ilhas Papuas ou na América, onde floresceram civilizações como a asteca, a inca
e a maia, na certa haveria heróis, deuses, guerreiros e pensadores que ficaram
isolados do fluxo cultural, sem testemunhos escritos que superas-sem o tempo.
Gregos
e judeus nos legaram palavras escritas que permaneceram e formaram o imaginário
do Ocidente. Olhando-se, agora, a mesma paisagem, o cenário dos deuses e heróis,
nada de espetacular ou de notável aqui teria se passado se não fossem os textos
que nos chegaram, que foram estudados, interpretados, parafraseados e adaptados
de acordo com as sucessivas camadas do tempo e da civilização.
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