Em que esquina dobrei errado
Aconteceu em Paris. Estava sozinha
e tinha duas horas livres antes de chamar o táxi que me levaria ao aeroporto,
de onde embarcaria de volta para o Brasil. Mala fechada, resolvi gastar esse
par de horas caminhando até a Place des Voges, que era perto do hotel.
Depois de chuvas torrenciais, fazia
sol na minha última manhã na cidade, então Place des Voges, lá vou eu. E fui. Sem
um mapa à mão, tinha certeza de que acertaria o caminho, não era minha primeira
vez na cidade.
Mas, por um desatino do meu senso
de orientação, dobrei errado numa esquina. Em vez de ir para a esquerda, entrei à direita.
Mais adiante, aí sim, virei à esquerda, mas não encontrei nenhuma referência do
que desejava. Segui reto: estaria a Place des Voges logo em frente?
Mais umas quadras, esquerda de
novo. Gozado, era por aqui, eu pensava. Não que fosse um sacrifício se perder em
Paris, mas eu parecia estar mais longe do hotel do que era conveniente. Mais caminhada, e então, várias quadras adiante,
não foi a Place des Voges que surgiu, e sim a Place de la Republique. Eu tinha
atravessado uns três bairros de Paris, mon Dieu.
Perguntei a um morador o caminho mais curto para voltar à rua onde
ficava meu hotel, e ele me apontou um táxi. Teimosa, pensei: ainda tenho um
tempinho, voltarei a pé. E assim foram
minhas duas últimas horas em Paris, uma estabanada andando às pressas, saltando
as poças da noite anterior, olhando aflita para o relógio em vez de flanar como
a cidade pede.
Cheguei bufando no hotel, peguei
minha mala e, por causa da correria, esqueci no hall de entrada uma gravura linda que havia comprado e que planejava
trazer em mãos no voo. Tudo por causa de uma esquina que dobrei errado.
Foram apenas duas horas inúteis e
cansativas, e duas horas não é nada na
vida de ninguém. Mas quanta gente perde
a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum?
Alguns desacertos pelo caminho fazem a gente perder três anos da nossa juventude,
fazem a gente perder uma oportunidade profissional, fazem a gente perder um
amor, fazem a gente perder uma chance de evoluir. Por desorientação, vamos
parar no lado oposto de onde nos aguardava uma área de conforto, onde encontraríamos
pessoas afetivas e uma felicidade não de cinema, mas real.
Por sair em desatino sem a
humildade de pedir informação a quem conhece bem o trajeto ou de consultar um
mapa, gastamos sola de sapato à toa e um tempo que ninguém tem para esbanjar.
Se a vida fosse férias em Paris, perder-se
poderia resultar apenas numa aventura, mesmo com o risco de o avião partir sem
nós. Mas a vida não é férias em Paris, e aí um dia a gente se olha no espelho e enxerga um rosto envelhecido e
amargurado, um rosto de quem não
realizou o que desejava, não alcançou suas metas, perdeu o rumo: não consegue voltar
para o início, para os seus amores, para
as suas verdades, para o que deixou pra
trás.
Não existe GPS que assegure se
estamos no caminho certo. Só nos resta prestar mais atenção.
* Coluna publicada originalmente
em 29 de agosto de 2010. A colunista
Martha Medeiros está em férias.
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