sábado, 9 de fevereiro de 2013



Em que esquina dobrei errado

Aconteceu em Paris. Estava sozinha e tinha duas horas livres antes de chamar o táxi que me levaria ao aeroporto, de onde embarcaria de volta para o Brasil. Mala fechada, resolvi gastar esse par de horas caminhando até a Place des Voges, que era perto do hotel.

Depois de chuvas torrenciais, fazia sol na minha última manhã na cidade, então Place des Voges, lá vou eu. E fui. Sem um mapa à mão, tinha certeza de que acertaria o caminho, não era minha primeira vez  na cidade.

Mas, por um desatino do meu senso de orientação, dobrei errado numa esquina. Em  vez de ir para a esquerda, entrei à direita. Mais adiante, aí sim, virei à esquerda, mas não encontrei nenhuma referência do que desejava. Segui reto: estaria a Place des Voges logo em frente?

Mais umas quadras, esquerda de novo. Gozado, era por aqui, eu pensava. Não que fosse um sacrifício se perder em Paris, mas eu parecia estar mais longe do hotel do que era conveniente. Mais  caminhada, e então, várias quadras adiante, não foi a Place des Voges que surgiu, e sim a Place de la Republique. Eu tinha atravessado uns três bairros de Paris, mon Dieu.

Perguntei a um morador  o caminho mais curto para voltar à rua onde ficava meu  hotel, e ele me apontou um  táxi. Teimosa, pensei: ainda tenho um tempinho, voltarei  a pé. E assim foram minhas duas últimas horas em Paris, uma estabanada andando às pressas, saltando as poças da noite anterior, olhando aflita para o relógio em vez de flanar como a cidade pede.

Cheguei bufando no hotel, peguei minha mala e, por causa da correria, esqueci no hall de entrada uma gravura  linda que havia comprado e que planejava trazer em mãos no voo. Tudo por causa de uma esquina que dobrei errado.

Foram apenas duas horas inúteis e cansativas, e duas  horas não é nada na vida de  ninguém. Mas quanta gente perde a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum? Alguns desacertos pelo caminho fazem a gente perder três anos da nossa juventude, fazem a gente perder uma oportunidade profissional, fazem a gente perder um amor, fazem a gente perder uma chance de evoluir. Por desorientação, vamos parar no lado oposto de onde nos aguardava uma área de conforto, onde encontraríamos pessoas afetivas e uma felicidade não de cinema, mas real.

Por sair em desatino sem a humildade de pedir informação a quem conhece bem o trajeto ou de consultar um mapa, gastamos sola de sapato à toa e um tempo que ninguém tem para esbanjar.

Se a vida fosse férias em Paris, perder-se poderia resultar apenas numa aventura, mesmo com o risco de o avião partir sem nós. Mas a vida não é férias em Paris, e aí um dia a gente se olha no  espelho e enxerga um rosto envelhecido e amargurado,  um rosto de quem não realizou o que desejava, não alcançou suas metas, perdeu o rumo: não consegue voltar para o início, para os  seus amores, para as suas  verdades, para o que deixou pra trás.

Não existe GPS que assegure se estamos no caminho certo. Só nos resta prestar mais atenção.

* Coluna publicada originalmente em 29 de agosto de 2010.  A colunista Martha Medeiros está em férias.

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