sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013



22 de fevereiro de 2013 | N° 17351
DAVID COIMBRA

Uma mulher

Fiquei comovido com a foto da Dilma publicada ontem pelos jornais. É a segunda imagem dela que me comove, havendo espaço de bons 40 anos entre uma e outra.

A primeira foi o flagrante da jovem Dilma diante do tribunal militar, nos tempos cinzentos da repressão. Os juízes militares escondiam o rosto com as mãos, e Dilma, então com 22 anos, apresentava-se sentada numa cadeira à frente e abaixo deles. Ela havia acabado de sair de sessões de tortura, mas não parecia abalada. Ao contrário, parecia em paz. Também não afrontava os juízes, não os desafiava. Era, ali, apenas uma mulher, só que uma mulher inteira e íntegra.

Dilma, uma pequena estudante que havia sido presa e torturada, uma quase menina desconhecida e insignificante, posta ante o Estado opressor, e continuava sendo uma pessoa completa, consciente. Era a imagem do ser humano digno, sem pretensões, sem petulância, sem arroubos e também sem submissões.

Agora, ontem, os jornais publicaram outra foto surpreendente de Dilma. Na verdade, um detalhe de foto. Ela recebia o primeiro-ministro russo em audiência no Palácio do Planalto. Estava instalada em uma poltrona colocada a dois passos de bandeiras do Brasil e da Rússia.

Vestia a indefectível túnica vermelha, apoiava os cotovelos nos braços da poltrona e mantinha os tornozelos cruzados. E aí, abaixo dos tornozelos, o pormenor interessante: como havia machucado um dedo, calçava o pé esquerdo com sapato convencional e o direito com sandália de plástico.

Essa imagem diz muito sobre Dilma. Por que ela fez isso? Por que não calçou sandálias nos dois pés? Afinal, andar sobre calçados desiguais não é confortável e não prima exatamente pela elegância. Dilma optou por calçados diferentes, como optam quaisquer trabalhadores com o pé magoado, porque queria deixar claro que só não estava com sapato convencional porque não podia. Era uma justificativa, um pedido de desculpas. Olha, não estou vestida como deveria porque não posso. Mas eu queria!

Suponho que, hoje, tudo na imagem de Dilma deva ser calculado: a blusa vermelha, o cabelo armado, até o sorriso duro. Tudo isso deve ser produto de estudos de consultores, de especialistas. Mas não os sapatos desiguais. Não isso. Nenhum assessor lhe diria para ir a uma audiência formal com um pé com sandália e outro com sapato. Não, não, ali estava a Dilma em essência. Não a presidente, mas a jovem egressa dos porões da ditadura. Não a política. Não a estadista. A pessoa. O ser humano. Só. E não é pouco.

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