23
de fevereiro de 2013 | N° 17352
PALAVRA
DE MÉDICO | J.J. Camargo
O encanto da
descoberta
Com
turma nova sempre há uma certa inquietude no ar. Não importa quantas vezes
tenha se repetido o ritual. O imprevisível, ao descobrir-se, e o medo contido
de desagradar explicam o frisson inicial, mesmo que tenhamos envelhecido nessas
incontáveis estreias.
Naquela
turma, o começo pareceu promissor, os olhos brilhantes e ligados, a economia de
gestos revelando concentração, as sacudidas positivas de cabeça apontando
concordância, e o riso espontâneo prometendo intimidade no futuro. Melhor não
se podia esperar.
Quando
saímos do assunto técnico da aula para a discussão de um tema de relação
médico/paciente, a adesão foi completa. Ninguém podia duvidar, iríamos nos
entender. Os anos ensinaram a reconhecer quando a exultação no final da aula se
deve a encantamento pelo aprendizado, e não a alívio pelo fim do martírio.
Fora
de questão, tínhamos acertado a mão.
Quando
toda a turma já tinha saído, uma aluna ainda arrumava calmamente a sua mochila.
Ao se aproximar, abriu os braços e me envolveu. Ficamos um tempo assim. Como a
iniciativa do abraço não tinha sido minha, fiquei esperando pelas palavras. Que
escorreram rápidas, quando já se afastava: “Obrigada por me ensinar!”
Recordei
esta história, um dia desses, quando falei numa assembleia de professores, para
discutir o papel dos que ensinam, suas vicissitudes e apreensões, suas
angústias e responsabilidades, suas expectativas de reconhecimento atropeladas
por decepções repetidas, sem que nada consiga embargar o fascínio que nos move
e que nasce do brilho do olho dos que escutam.
E
não pensem que a alegria é proporcional ao nível intelectual dos aprendizes.
Nada disso. A euforia é cria da descoberta. O entusiasmo é fruto do novo. E a
empolgação é babá da esperança. E em qualquer idade.
Todo
professor apaixonado sabe intimamente que fazer parte disso é dádiva do
destino, que nos colocou no caminho de mentes vorazes por aprender, mais e
mais, porque essa roda não tem fim. Mesmo que tantas vezes se cometa a
injustiça de retardar esse deslumbramento.
O
grande mestre Paulo Freire estava no sertão de Sergipe, em uma nova jornada de
trabalho com um grupo de camponeses muito pobres, que começavam a ser
alfabetizados.
“Como
estás João, tudo bem?”
João
se calou, tirou o chapéu, olhou o horizonte e por fim disse: “Não consegui
dormir. Toda a noite sem pregar os olhos!” Mais palavras não saíram da sua
boca, até que ele murmurou: “Ontem eu escrevi meu nome, pela primeira vez!”
J.
J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa
de Misericórida*
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