18
de fevereiro de 2013 | N° 17347
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
A renúncia do Papa
Ofato,
que na semana passada ocupou o centro de todos e a todos sobrepujou, não se
prende à crise intercontinental, nem às guerras emergentes que têm prosperado,
não aconteceu em nossa vizinhança, mas longe daqui e, embora ocorrido em
minúsculo Estado localizado dentro dos muros da capital da Itália e nos limites
do Vaticano, repercutiu e continua a repercutir no mundo inteiro.
Ocorreu
ou está ocorrendo na sede histórica da cristandade. O chefe espiritual de
imensa coletividade, que se estende por todos os continentes, e que ocupa cargo
em princípio vitalício, foi protagonista de evento inesperado e sem precedente
desde séculos. O papa Bento XVI renunciou ao Trono de São Pedro. Este o fato,
possível, mas raro.
E,
embora ele interesse precipuamente à comunidade católica, sua repercussão se
estendeu além desses limites a mostrar que há coisas que não se exprimem por
números, nem se aferem como se apuram bens materiais. É o que vem acontecendo,
envolvendo setores confessionalmente desligados do pontífice resignatário.
Com
efeito, divulgada a renúncia do Vigário de Roma, não cessaram as manifestações
por parte de cristãos e não cristãos, crentes ou incréus. Um dos primeiros a
lastimar o afastamento de Bento XVI do cenário internacional foi o
primeiro-ministro da Inglaterra, país que tem uma igreja própria na qual a
rainha detém a suprema autoridade.
Para
não desprezar a prata de casa, lembro que após a República, com a separação da
Igreja do Estado, houve quem postulasse a extinção da legação que o Brasil
mantinha junto à Santa Sé, e Rui Barbosa disse que também fora dessa opinião,
contudo, o tempo e a maior experiência fizeram com que ele mudasse e o Brasil
continuou a manter a legação, hoje embaixada, junto ao Vaticano.
Tudo
isso é sabido, assim como a declaração inicial do resignatário, “fiz isso em plena
liberdade para o bem da Igreja, depois de ter rezado por muito tempo e ter
examinado diante de Deus a minha consciência”, se ele se limitasse a aludir à
fragilidade de suas forças já inferiores à magnitude dos problemas a enfrentar,
a renúncia teria outro alcance, mas ele aditou alguns dados que vieram a lhe
dar indisfarçável relevo.
Se
as palavras dizem respeito à comunidade eclesial, não deixam de interessar à
comunidade internacional, como vem interessando amplamente. E quando declara
pensar em particular nas pessoas contra a unidade da Igreja, nas “divisões do
corpo eclesial”, que “desfiguram a Igreja”, “na hipocrisia religiosa”, estão a
indicar a formidável dimensão dos problemas inerentes aos fatos alinhados, e ao
despedir-se dos sacerdotes romanos declarou que a Igreja necessita de
“verdadeira renovação”. De outro lado, pode-se imaginar a dramática situação do
sucessor de São Pedro que o levou a despojar-se da investidura sem paralelo.
Enfim,
se a fragilidade física é real, também parece inegável que os sofrimentos
espirituais de que padece o Sumo Pontífice não sejam quiçá menos dolorosos.
Aliás, há fatos notórios, ocorridos em mais de um lugar da cristandade, que
devem ser mortificantes para uma pessoa da espiritualidade do Servo de Cristo
mais que “a disputa de poder”, de que se fala, tanto mais quando ele era pela
limpeza exemplar que entendia imperioso realizar e que não teve como praticar
no que se refere à mancha da pedofilia.
Por
tudo isso, penso que no ato da renúncia, pela qual se desinvestiu das insígnias
supremas, o Santo Padre praticou o que podia cometer ao sentir-se impedido de
concretizar ato de ofício. Penso que o gesto está impregnado de fidelidade e
coragem e será sempre lembrado, pois ele se prende à necessidade da “verdadeira
renovação da Igreja” segundo suas palavras.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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