09
de fevereiro de 2013 | N° 17338
CELSO
GUTFREIND (INTERINO
O Carnaval do
símbolo
No
ano passado, o Ted Boy Marino morreu. Acusei o golpe. Ele foi meu ídolo nos
anos 60. Deu-me o direito de ir dormir mais tarde. Eu sonhava acordado com
inimigos imaginários. Ele foi o meu primeiro Dom Quixote.
Nas
lutas do telecatch, eu sorria quando o Ted vencia. E chorava se ele perdia, mas
felizmente era raro. Desabei quando “quebraram” o seu braço. Pedi para
engessarem o meu também. Eu o imitava dia e noite. Eu e toda a torcida do
Flamengo, do Grêmio, do Inter.
Hoje
seria como o UFC, com Anderson Silva. Mas não era. Tinha uma diferença. As
lutas livres faziam um faz de conta, um “como se”. Até o menino de cinco anos
sabia que não eram de verdade. Adultos e crianças, fingíamos juntos. O UFC não
põe aspas para quebrar braços, machucar pernas, arrancar pedaços da orelha.
São
anos de surra no símbolo. Na brincadeira. Na possibilidade de imaginar. A
realidade vem sendo imposta direta demais. Há excesso de videogame e falta de
convivência. Lutamos contra o desconhecido; ele pulsa com violência, dentro de
nós. Seria mortal, caso não tivesse a festa de consertar. Mas o conserto
depende de estar com o outro. Fingindo, brincando, fazendo de conta. Tocando.
Da ilusão surge a criatividade. E fica, realmente, mais vivo.
O
Mario Quintana falou disso, com poesia. Para ele, o ritmo é salvador. A pele
entre o eu e o mundo, entre nós e as coisas. Feita com literatura, mas também
com dança, música, cinema, esporte, trabalho. Com encontro. Somos, no fundo,
salvos pelo teatro. Somos, no fundo, salvos pelo outro. Caso contrário, a
solidão nocauteia com o soco da morte crua e verdadeira, que nos habita desde o
nascimento.
O
ritual das lutas sabia iludir até que nos sentíssemos prontos para lutar de
fato, ou seja, metaforicamente. Crianças encontravam adultos capazes de
organizar um espetáculo que representava a violência, mas não era a violência.
O UFC cria pouca pele, não cava muito espaço.
Ainda
não sei o que farei com a falta do Ted Boy Marino, mas aprendi a esperar. A
descansar no símbolo e ficar triste à vontade sem que a realidade venha quebrar
o braço, machucar a perna, danificar o cérebro. E, sobretudo, matar o coração.
Acho
que vou contá-la, achar um ouvinte, estar junto até que a dor passe para eu
poder ficar sozinho novamente. Atado à morte do Ted, há um fio comprido de
mortos, do cão à irmã. Dos amigos de Porto Alegre a Santa Maria. Não posso
deletá-los simplesmente. Sem ombro onde se apoiar, sem ter com quem falar, não
haveria como sobreviver.
O
faz de conta acompanhado ensinou a viver de verdade. A morrer, talvez. A
prosseguir e, como se espantou o Quintana, vir à tona de todos os naufrágios.
*
Cláudia Laitano está em férias e volta no dia 2 de março
Nenhum comentário:
Postar um comentário