24
de fevereiro de 2013 | N° 17353
ARTIGOS
-Diana Lichtenstein Corso*
Sede de
vingança
Não
mais nos reunimos em praça pública para ver a cabeça dos culpados rolar ou
pender. Mas, sempre que possível, fazemos isso no noticiário e, principalmente,
nos cinemas. Nos antigos filmes de caubói, um catártico tiroteio garantia a
punição dos bandidos e a saída incólume do herói.
Duros
de matar, esses homens a cavalo foram logo substituídos por policiais
igualmente solitários. Final feliz requer o chão coberto de corpos dos maus. Em
Django Livre, como já fizera em Bastardos Inglórios e em Kill Bill, o diretor
Quentin Tarantino arma seu roteiro a partir da nossa sede de vingança contra
escravocratas, nazistas e machistas violentos.
Sou
uma vingativa confessa, quero ver sangue. Mas fique tranquilo, no sentido
figurado. Nada de pena de morte e torturas. Sei que a civilização começou
quando alguém abriu mão da retaliação. Na vida real, a morte só deve ocorrer
quando inevitável. Porém exorcizo minhas pendências na ficção. Da II Guerra,
onde meus antepassados e parentes foram assassinados, gosto de lembrar que
existiu o Levante do Gueto de Varsóvia. Como eles, se fosse para morrer,
gostaria de levar pelo menos um nazista comigo. Na fantasia sempre somos mais
corajosos.
A
vingança, seja histórica ou pessoal, funciona de forma parecida com o fim
litigioso de um relacionamento amoroso. Sejamos sinceros, não queremos que o
outro seja feliz, lhe desejamos a morte lenta e o ostracismo. Todo mundo sabe
que odiar é outra forma de amar, às avessas, que o oposto do amor é a
indiferença, que o melhor troco é ignorar, genuinamente. Mas isso leva muito
tempo para ser possível e mesmo assim sofremos recaídas. A dor deixa cicatrizes
e elas são lembretes lavrados na pele, para sempre.
Os
protagonistas dos filmes de Tarantino carregam essa insígnia, assim como os
judeus tatuados, os escravos marcados, o mesmo ocorre com o maior vilão nazista
em Bastardos. Há coisas que não são passíveis de um desfecho elegante, como
seria a superação. Nem tudo se consegue esquecer, mesmo porque precisamos
garantir que nunca se repita.
Questiona-se
a cantilena de afrodescendentes e judeus que estão sempre na defesa e não
perdoam os maus-tratos sofridos. Em parte, ela é necessária: preconceitos estão
sempre ressurgindo, é preciso ficar em guarda. Porém, nem os descendentes de
alemães nem os brancos da atualidade têm culpa pelos absurdos cometidos pelos
seus antepassados.
O
que fazer, então, com os restos desse ódio vingativo? Tratá-los com o mesmo
preconceito que se sofreu seria indigno, igualmente vergonhoso. Mas como
conviver com as cicatrizes que latejam, a mágoa que espreita pronta para pular
sobre nós, a autocomiseração, que pode não nos orgulhar, mas compõe nosso lado
sombrio?
Depurá-lo
no cinema é uma forma de eliminar o excesso. É uma sangria do despeito, da
tristeza, que permite manter o fluxo da civilidade. Não somos, nem nunca
seremos, totalmente civilizados. Potencialmente, somos tanto algozes quanto
vítimas vingativas. Haja matinê!
*PSICANALISTA
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