18
de fevereiro de 2013 | N° 17347
L. F.
VERISSIMO
Deus hipotético
Um
religioso dirá que não faltam provas da existência de Deus e da sua influência
em nossas vidas. Quem não tem a mesma convicção não pode deixar de se admirar
com o poder do que é, afinal, apenas uma suposição. A hipótese de que haja um
Deus que criou o mundo e ouve as nossas preces tem sobrevivido a todos os
desafios da razão, independentemente de provas.
Agora
mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às voltas com a
sucessão no comando do seu vasto e rico império, e o admirável é que tudo – o
império, a riqueza e o fascínio dos rituais e das intrigas da Igreja de Roma – seja
baseado, há 2000 anos, em nada mais do que uma suposição.
Todas
as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em
detalhes como o nome do seu deus. E todas tem causado o mesmo dano, em nome da
hipótese. Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o
próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e
intolerante para a sobrevivência de Israel.
O
fundamentalismo cristão que representa o que há de mais retrógrado e assustador
no reacionarismo americano, e as religiões neo-pentecostais que se multiplicam
no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração
da crendice. A igreja católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta
para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos,
contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado
as religiões a serem muito religiosas.
Há aquela
parábola do Dostoiévski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo,
que volta à Terra – o filho da hipótese tornado homem – para salvar a
humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo.
Os
dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública,
e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará,
antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios
do poder. Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje,
deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.
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